O desemprego, a falta de uma atividade remunerada é um dos maiores problemas sociais enfrentados pela população brasileira. De acordo com os números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o Brasil atingiu em março deste ano 14,2 milhões de pessoas desempregadas, e esse número está aumentando. Certamente o foco desta análise são as pessoas que deveriam ser economicamente ativas, o que não engloba crianças e adolescentes abaixo da idade mínima legal permitida, conforme a nossa legislação na qual o trabalho infantil é proibido por lei. Porém, a condição de legalidade não reflete a legitimidade, visto que o trabalho infantil atinge em torno de 3 milhões de crianças no Brasil, segundo especialistas da Organização Internacional do Trabalho – OIT no segundo semestre de 2016.
Se fizéssemos uma avaliação simplesmente baseada em números, os dados acima seriam minimizados porque bastava reduzir em torno de 3 milhões um problema atual de 14 milhões. Pois, teríamos a solução tirando crianças de uma situação ilegal, e ao mesmo tempo aumentado o número de profissionais empregados em condições produtivas e legais. Mas, não é desta forma que a situação pode ser minimizada, porque saber que criança precisa brincar, estudar, aprender uma série de coisas visando seu desenvolvimento, não é suficiente para garantir seus direitos. O trabalho infantil faz parte da história do mundo, e as transformações exigiram atitudes hoje condenadas, mas muitas vezes vista de maneira natural de acordo com cada época. A Revolução Industrial alterou o mercado de forma irreversível entre os séculos XVIII e XIX e a evolução da humanidade a partir deste ponto é inegável. Porém, os processos gerados não foram propriamente ditos, equilibrados, visto que o viés econômico sempre foi o foco, e ser rentável ainda hoje é o mais importante. O desenvolvimento gerado trouxe novas demandas e os impactos atingiram até mesmo as crianças que acabaram sendo envolvidas, evidenciando o trabalho infantil nas indústrias. Inicialmente, só as crianças carentes de orfanatos trabalhavam, mas isso foi avançando até o ponto em que crianças que tinham famílias começaram a ser expostas a mesmo tipo de situação, ou seja, trabalhar também e por longas horas. No Brasil essa situação existe desde a sua colonização quando crianças negras e indígenas executavam trabalhos domésticos e atuavam também nas lavouras para ajudar no sustento familiar. Esses fatos são históricos, porém, suficientes para entendermos a dimensão deste problema social.
A constituição brasileira proíbe o trabalho infantil para menores de 16 anos, e isso é explícito no artigo 227 que diz que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Porém, nem sempre percebemos a teoria da constituição na prática, e é evidente que a pobreza é o principal motivo que leva as famílias a exporem seus menores a essa condição, além de ser para os empregadores uma mão-de-obra barata. Não que isso justifique a condição análoga deste tipo de trabalho, que inclusive é foco de governos e diversas organizações que trabalham para eliminar o labor infantil em todas as suas manifestações, por terem a consciência de que essa prática não condiz com a qualidade de ações esperadas em uma sociedade que busca a eqüidade e igualdade para todos.
A proteção a criança não é apenas no que diz respeito ao trabalho, independente de sua natureza. A lei existe inclusive, para proteger os menores de maus tratos, prostituição, pornografia, tráfico, entre outros abusos evidenciados na sociedade, independentemente de seu nível de desenvolvimento. E este é um ponto destacável porque a ideia geral é de que atividades como essas integram exclusivamente países subdesenvolvidos ou considerados emergentes como é o caso do Brasil. Porém, é importante frisar que nem todo tipo de situação envolvendo o trabalho de menores de 18 anos é considerado ilegal, visto que a convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda uma idade mínima de 16 anos para trabalhos que não coloquem em riscos jovens nesta faixa etária, desde que os mesmos recebam instruções adequadas, treinos vocacionais e obedeçam a um tempo máximo diário. Inclusive, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) garante ao trabalhador adolescente entre 14 e 18 anos, uma série de proteções especiais, que se seguidas não causam danos a formação dos menores.
Fica cada vez mais claro que a base para qualquer transformação social é a educação, visto que somente ela pode alterar, não apenas as intenções, mas igualmente as ações que provocam as mais positivas mudanças. O fato é que em determinados momentos, a sociedade expõe suas carências e as mudanças acabam sendo involuntárias. Exemplo disso é a própria condição do trabalho infantil nos dias de hoje, pois, com o país passando por uma crise política, social e financeira, certamente o impacto no desemprego é muito maior e, não que seja correto, mas buscar alternativas para gerar receitas familiares acaba incluindo a possibilidade de crianças executarem algumas atividades como se fossem trabalhos dignos, sem que os responsáveis por esses menores levem em consideração pelo menos a questão da segurança, o que impacta no resgate da própria cidadania.
De acordo com o relatório ABRINQ 2017, aproximadamente 55 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza no Brasil, isso equivale a um quarto da população, sendo que 18 milhões deste total se encontram em situação de extrema pobreza, ou seja, possuem uma renda domiciliar per capita mensal igual ou inferior a um quarto de salário mínimo. Essa situação contribui com o aumento de crianças participando da geração da renda familiar de alguma maneira, sendo em muitos casos incentivadas ou até mesmo obrigadas por seus responsáveis. A solução para essa situação não tem como ocorrer em curto prazo porque envolve conscientização e fatores culturais. Por esse motivo é imprescindível que as ações sejam conjuntas, envolvendo denúncias por parte da sociedade civil, eliminação nas empresas de qualquer possibilidade de contar com mão de obra infantil, criação de políticas de combate a esse tipo de trabalho pelos órgãos governamentais, e que as leis sejam rigorosamente cumpridas. Muitas organizações não governamentais (ONGs) estão lutando no Brasil e no exterior para que os direitos no geral sejam respeitados, e essas são contribuições importantes porque conscientizam e agem em favor da preservação dos direitos de crianças e jovens.
O Brasil é um país grande e importante em todos os sentidos. E na questão da proteção à criança e ao adolescente possui leis suficientes para garantir o desenvolvimento destes, alinhadas com os objetivos dos direitos humanos. O problema muitas vezes está na aplicação destas leis que acabam não sendo iguais para todos, e isso potencializa a sensação de impunidade que a população tem. Trabalhar é importante, necessário e digno. Porém, não se pode esquecer que o ser humano precisa ser respeitado em todas as fases da vida. E quando esse respeito for uma realidade comum a todos, criar e aplicar leis não serão mais necessários, porque essas atividades somente são prioridade em sociedades aonde o SER acabou cedendo lugar para o para o TER, e isso não aconteceu de forma justa e igual para todos.
*Artigo escrito por Devanir Simões, ME. Professor do ISAE/FGV. O ISAE/FGV é uma instituição parceira do Instituto GRPCOM.
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