O fortalecimento do Terceiro Setor tem sido um desafio diário. De um lado, a pressão do modelo governamental, pesado e burocrático. Do outro, modelos empresariais com sua lógica própria. Fazer o bem com eficiência tornou-se um labirinto muitas vezes insuperável, onde pessoas e organizações muitas vezes encontram-se perdidas. É o momento de retornar ao chamado inicial da solidariedade, adaptando-se ao cenário sem perder a vocação.
Um pouco de história
Nos séculos II e III duas grandes epidemias varreram o Império Romano, espalhando a morte e o medo. Estas epidemias produziram uma mortalidade na proporção de uma morte para cada três habitantes, dizimando comunidades inteiras.
O declínio do Império Romano, atribuído classicamente a questões morais, invasões e disputas políticas, aconteceu basicamente devido a questões de saúde pública: doenças e epidemias. Foi a grande força que minou o poderio romano, contra a qual nenhum exército poderia prevalecer.
Estas epidemias provocaram uma crise social sem precedentes, onde as altas taxas de mortalidade fizeram com que antigos laços de relacionamentos e vínculos sociais se desintegrassem. O sentimento de desesperança era imenso e o povo não sabia a quem recorrer.
Nessa mesma época haviam surgido pequenos grupos que se relacionavam através de redes de ajuda e apoio. Como eram discriminados e perseguidos devido às suas convicções, eles encontraram formas de apoio alternativo ao aparato do estado. A crise os fortalecia, chamando atenção da comunidade. Novos relacionamentos e redes iam sendo construídos e preconceitos sendo superados.
No aspecto social geral as pessoas percebiam que seus sistemas político, econômico, social e religioso não eram capazes de responder aos desafios das epidemias, pois as respostas oficiais eram incompletas, falhas e inúteis.
A semente da filantropia: redes de solidariedade
As crises sociais são oportunidades para novas formas de ação surgirem e proporem mudanças. Se por um lado grupos terroristas e radicais se alimentam da desesperança, as redes de solidariedade podem propor o fortalecimento de vínculos e serviços de ajuda sem discriminações.
No contexto social romano, ser cidadão significava aderir a um pacote de deveres onde a obediência ao sistema religioso fazia parte. Qualquer outra opção significava a marginalidade e a morte. Porém as epidemias quebraram leis e regras diante da simples necessidade de sobrevivência.
Não havia para onde fugir. As lideranças desapareciam na crise. Qualquer pessoa que apresentasse sintomas da doença era literalmente abandonada à sua própria sorte. Filósofos e religiosos não conseguiam dar explicações à tragédia. O sentimento geral era de desesperança, frustração e medo.
Na contramão do contexto geral alguns grupos davam explicações para a dor e o sofrimento não com palavras, mas atitudes. Confortavam as pessoas e as acolhiam sob risco da própria vida, dando sentido à existência em meio ao caos. Suas ações traduziam o espírito que eles possuíam: o amor. Mesmo sacrificialmente, era a melhor resposta cuidando dos enfermos, enterrando os mortos e atendendo necessidades básicas. A filantropia nascia no Ocidente, com sua raiz no cristianismo não institucionalizado.
Lições que devemos resgatar
Cuidados básicos diminuem significativamente a mortalidade: comida, teto e água foram determinantes para a sobrevivência dos enfermos. A proporção de sobrevivência entre os cristãos foi maior do que entre os pagãos, por diversos motivos, sendo que o principal foi que os cristãos procuravam sempre cuidar de seus enfermos, ao contrário de outros grupos onde os doentes eram, ao primeiro sinal de doença, abandonados por suas famílias e amigos.
A existência de uma rede de relacionamentos e solidariedade foi significativa para o apoio e suporte mútuos entre os grupos de ajuda. A rede fornecia ações e conforto aos que passavam pelo vale da sombra e da morte.
O amor transformado em ação estabeleceu princípios de solidariedade com um componente moral, formando um novo ethos que respondia aos anseios de uma população cansada e desencantada.
Sabemos que em alguma curva da história muitos desses princípios foram abandonados. Mas isto não quer dizer que perderam seu valor. Hoje, o desafio da construção de redes de solidariedade continua. Mais do que um suporte social, ou em saúde ou educação, as redes fornecem o que mais precisamos para sobreviver em tempos difíceis: a esperança.
*Artigo escrito por Gustavo Adolpho Leal Brandão é Especialista pela UFRJ em Gestão do Terceiro Setor, Certificado pelo PMD PRO – Project Management for Development, Empresário em Educação e Desenvolvimento na Mentoris Educação e Desenvolvimento, Coach e Consultor em Compliance. é parceiro do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável.
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