Em época de crise econômica muitas empresas têm reduzido recursos, adiado ou cancelado projetos em áreas aparentemente acessórias e não prioritárias, como, infelizmente, a área de sustentabilidade. Este é um pensamento muito superficial e imediatista, pois a sustentabilidade requer uma integração dos três elementos do pilar de sustentabilidade: o meio ambiente, a economia e a sociedade.
Começando pela operação e manutenção dos empreendimentos, estes também deverão ser sustentáveis. No Brasil a queda da produção industrial resultou no aumento de 3% do desperdício de energia elétrica, causadas, por exemplo, por esteiras em linhas de produção que utilizam a mesma energia para carregar um volume menor de produtos, além de áreas iluminadas que permanecem acesas sem necessidade. Reduções em manutenções de máquinas podem acarretar perdas totais destas, que muitas vezes têm o valor de aquisição na casa dos milhões. Na mesma linha, os cortes na área de qualidade podem causar perda de clientes pela entrega de produto fora de padrão, o que gera um impacto ainda maior do que em tempos de vacas gordas.
E os certificados de sistemas de gestão ambiental ISO 14001 e de qualidade ISO 9001, que não são renovados justamente quando entra a obrigatoriedade de adoção da nova versão 2015. Economia que vai na contramão da necessidade em tempos de crise, pois esta versão de 2015 veio com forte foco em gestão de riscos. E isto não acontece somente no setor privado. Usinas hidrelétricas devolvidas para o estado estão em estado de abandono e não só com risco de perder geradores e turbinas, como também podendo causar acidentes de grandes dimensões como um rompimento de barragem.
Falta de manutenção nas estradas aumentam a geração de resíduos sólidos (pneus estourados, sucatas de veículos), perda de grãos pelos solavancos na estrada, deterioração de produtos perecíveis pela demora no transporte, perdas de carga por tombamento e em casos mais graves causando vazamento de produtos químicos tóxicos no solo e em cursos d’água.
A palavra crise (do grego krisis) significa “fazer passar em julgamento”, decidir, escolher, “uma mudança súbita que obriga a uma avaliação.” A crise coloca em evidência a necessidade de mudanças, de trabalhar a sustentabilidade de forma transversal à gestão e mostrar os benefícios de fazer da sustentabilidade um elemento estratégico para o negócio, abordando redução de custos e desperdícios e oportunidades de ganhos e geração de valor, como na inovação de produtos, serviços ou processos.
Por isso, ações de fomento à eficiência energética podem trazer um benefício direto às empresas em um curto prazo de tempo. A micro e mini geração é outra possibilidade para as indústrias que desejam conciliar sustentabilidade e redução de custos, produzindo a própria energia a partir de fontes renováveis alternativas. Estudo da ANEEL mostrou que uma indústria em Fortaleza/CE pode economizar até 60% ao ano na sua fatura de energia investindo em uma planta solar de 350 kW de capacidade instalada e abatendo da conta da concessionária o excedente de energia gerado.
Mesmo que recursos sejam mais escassos com a crise, é preciso lembrar que sustentabilidade implica em longo prazo e que o custo de “não fazer” pode ser maior do que o custo de fazer. Um estudo realizado pela consultoria americana A.T. Kearney, referente à crise de 2008, apontou que empresas “seriamente comprometidas com a sustentabilidade” superaram a média do mercado nos meses de intensa crise financeira e suas práticas sustentáveis afetam positivamente o desempenho financeiro. Isso porque empresas que possuem o foco longo-prazo da sustentabilidade também são mais sensatas para gerir riscos e inovam com mais frequência.
Entretanto, nem sempre é preciso investir recursos financeiros. Várias iniciativas são comportamentais, como analisar o ciclo produtivo e identificar os desperdícios, melhorar a eficiência de um processo, treinar funcionários ou otimizar a área de compras buscando fornecedores locais, demandas programadas e redução de estoque e, por quê não, compartilhando as aquisições com outras empresas.
Empresas que adotam práticas sustentáveis como resposta a riscos regulatórios (multas ou sanções) ou instrumento de marketing e não necessariamente transformando seus processos, não capturam benefícios para a lucratividade decorrentes dessas ações. Os esforços mais bem sucedidos baseiam-se na convergência dos resultados financeiros, dos objetivos de sustentabilidade e na crença da interdependência de ambos. Empresas prósperas e saudáveis financeiramente são consideradas vitais para a sustentabilidade e da mesma forma tais empresas podem ver seu futuro seriamente comprometido sem sustentabilidade.
Líderes enxergam que, como todas as crises, esta também vai passar e sairão fortalecidos frente à valorização crescente por parte de acionistas, investidores, funcionários, fornecedores, comunidades e clientes em relação aos princípios éticos da sustentabilidade.
Uma nova economia está em evolução, onde a busca da sustentabilidade demanda novas perspectivas de ação, através do compartilhamento, da colaboração, da economia circular, onde manter produtos, componentes e materiais em seu mais alto nível de utilidade e valor o tempo todo sejam o alvo principal. Frente a esses sinais de mudança e aos desafios para os próximos anos, a crise é benéfica para a sustentabilidade porque instiga a superação de nossas próprias limitações.
*Artigo escrito por Carla Oberdiek, Eng. Química, Mestre em sustentabilidade e especialista em sistemas de gestão.
**Quer saber mais sobre cidadania, educação, cultura, responsabilidade social, sustentabilidade e terceiro setor? Acesse nosso site! Acompanhe o Instituto GRPCOM também no Facebook: InstitutoGrpcom, Twitter: @InstitutoGRPCOM e Instagram: instagram.com/institutogrpcom