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Existe uma reforma mais importante e difícil do que a da Previdência

Uma das coisas mais decepcionantes da discussão da reforma da Previdência é que ela não está nem perto de ser a mais importante e difícil de se fazer no Brasil. Na verdade, ela é uma reforma básica, que faz caber no bolso do governo os gastos com aposentadorias no futuro. E, apesar da lentidão com que o Congresso lida com o tema, é provável que ela sairá – assim como saíram as reformas anteriores nos governos FHC e Lula.

Existe uma reforma mais difícil e que tem um efeito que vai muito além de fazer uma despesa caber no orçamento: a abertura comercial. Se o Congresso aprovou duas reformas da Previdência (e, vamos ser justos, uma antirreforma durante o fracassado segundo governo Dilma), quase nada aconteceu nas últimas décadas na liberalização da economia. O Brasil tem uma das economias mais fechadas e isoladas do mundo, o que reduz a competição, a produtividade e a riqueza disponível para sua população.

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O estudo do Banco Mundial sobre a produtividade brasileira divulgado na quarta-feira (8) joga luz sobre o debate. Os economistas do banco fizeram uma simulação considerando uma queda de 50% nas tarifas comuns de importação do Mercosul e um alinhamento de barreiras não tarifárias no bloco. O resultado seria a retirada de 6 milhões de pessoas da pobreza extrema – ou seja, 6 milhões de pessoas passariam a ganhar mais do que US$ 5,50 por dia no país.

Esse resultado é a economia básica aplicada. Existe um grande consenso de que há um aumento de bem-estar quando as nações optam pela liberalização de suas economias. Tarifas altas prejudicam os mais pobres porque eles direcionam toda sua renda para o consumo de produtos que são mais caros do que seriam na ausência dos impostos de importação.

Outro argumento contraintuitivo do estudo do Banco Mundial é que não há uma perda para as empresas nacionais quando há a liberalização. Na verdade, as barreiras comerciais beneficiam as indústrias menos eficientes porque funcionam como uma taxa sobre a exportação (ou seja, as empresas mais capazes de participar do mercado global e mais expostas à competição são as mais prejudicadas). Na prática, segundo o estudo, a economia brasileira cresceria mais se fosse menos isolada do mundo.

Essa visão é corroborada por outros estudos recentes. Um relatório deste ano da OCDE sobre o Brasil mostrou que a redução das barreiras ao comércio é a reforma com o maior potencial de acelerar o crescimento do PIB. O impacto é quase o dobro da redução de barreiras ao empreendedorismo e mais do que o dobro do que a melhora da eficiência do governo. Somadas, as reformas sugeridas pela OCDE elevariam o potencial de crescimento do PIB em 1,4 ponto percentual. Mais de um terço viria da liberalização.

O banco Credit Suisse fez uma simulação interessante sobre os efeitos da liberalização. Se o Brasil tivesse o nível de abertura comercial de Hong Kong, um dos países mais abertos do mundo, nossa produtividade cresceria 39% em uma década, a uma taxa de 3,4% ao ano.

Ao mesmo tempo em que é muito promissora, a liberalização é politicamente muito difícil. Diferentemente da reforma da Previdência, que é apoiada pelo setor produtivo e sofre resistência dos sindicatos, a abertura comercial sofre resistência dos dois lados – como toda distorção, o fechamento da economia beneficia grupos específicos, aqueles que se lucram com os preços mais altos no mercado interno. Além disso, é muito forte ainda no Brasil o discurso nacionalista de que é preciso proteger a produção nacional diante da concorrência estrangeira, herança da política de substituição de importações dos anos 60.

Se o discurso nacionalista ainda é popular, dificilmente um governo compraria a causa da abertura. Foi assim desde o último movimento consistente do Brasil nessa direção, no início dos anos 90. Naquela época, houve uma transição global, com avanços de negociações multilaterais (a Rodada Uruguai da OMC) e regionais (a formação do Mercosul). Foi esse processo que permitiu ao Brasil se colocar em algumas cadeias globais de valor, como no setor aeronáutico.

Mas esses laços internacionais ainda são muito fracos. O Brasil tem hoje a segunda maior tarifa média de importações da América Latina, e ela é igual ao que era há 20 anos. Segundo o ranking Doing Business do Banco Mundial, a economia brasileira é mais fechada do que a de qualquer país membro da OCDE em valor total de exportações e importações. Só dois países industrializados e ricos têm índices baixos nesse quesito: Estados Unidos e Japão. E isso não acontece porque suas tarifas são altas, mas porque seus mercados internos são grandes e ricos (coisa que Donald Trump parece ignorar ao criar sobretaxa para produtos siderúrgicos). O Brasil tem hoje mais de 400 produtos tarifados em 35%, o máximo permitido, fora dezenas de produtos alvo de salvaguardas (que são proteções temporárias).

É fato que a abertura comercial precisa ser acompanhada de perto pelas autoridades porque ela provoca deslocamentos produtivos. Indústrias que ganham com a proteção podem perder mercado e demitir. Fica como obrigação do setor público preparar as pessoas para os setores que ficarão mais competitivos e ganharão mercado. O resultado depois do ajuste será um país mais rico, com empresas mais competitivas e trabalhadores mais produtivos.

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