O orçamento da União deste ano tem reservados às montadoras R$ 7,2 bilhões em renúncias fiscais. Esse é só o dinheiro do qual o governo federal vai abrir mão, sem contar benefícios concedidos pelos estados. É o maior benefício setorial em vigor no país.
Não bastasse isso, as montadoras contam com a maior alíquota de importação possível, de 35%, para proteger seu mercado. Durante a vigência do Inovar Auto, o programa de incentivo que vigorou até o fim de 2017, os importados tinham uma dificuldade adicional, porque pagavam impostos mais altos depois de internalizados, o que levou a uma condenação do Brasil na OMC.
Durante a crise de 2008/2009, o setor automotivo foi um dos agraciados com uma redução de impostos para manter as vendas. Foram poucos outros setores com o mesmo tratamento, como linha branca e móveis. O benefício durou até o fim de 2013. Fora isso, fabricantes de caminhões contaram com juros subsidiados por anos para vender seus produtos.
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É por causa desses e outros sinais de tratamento especial dado pelo governo ao setor automotivo que a ameaça da General Motors de fechar suas fábricas e sair do Brasil é chocante. O presidente da GM Mercosul, Carlos Zarlenga, mandou um comunicado aos funcionários dizendo que o futuro do grupo no país depende de voltar ao lucro neste ano. O governo de São Paulo entendeu a mensagem e passou a negociar uma forma de liberar créditos de ICMS.
O comunicado foi uma forma de pressionar o governo. Como soube-se depois, a empresa chegou a se encontrar com o atual secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do ministério da Economia, Carlos Costa, que disse na reunião: “se precisar fechar, fecha”.
Carlos Costa foi o encarregado no equipe econômica para reduzir as distorções que empacam a produtividade no país. Terá trabalho com as montadoras. O setor automotivo tem uma cadeia produtiva complexa, na qual os problemas como a complexidade do sistema tributário, entre outras jabuticabas, se acumulam. Ao mesmo tempo, ele ficou mal acostumado à proteção e ao apoio público para manter as operações no país que, diga-se, são historicamente lucrativas.
Neste momento, a proteção excessiva parece estar cobrando um preço alto. O Brasil conseguiu atrair fábricas com o argumento de que tem um mercado amplo e protegido. Isso gerou um excesso de capacidade que, com a recessão de 2014-2016, ficou ainda mais ociosa. É nesse contexto que vimos uma fábrica novinha da Honda ficar fechada durante três anos após ficar pronta.
Quando deu errado seu projeto de vender o Classe A no Brasil, a Mercedes fechou sua fábrica. O mesmo fez a Chrysler, que tinha produção do Paraná. Só para ficar em dois casos que comprovam que proteção e ajuda do governo não resolvem a vida de todos. A diferença é que nesses dois casos o problema foi em construir vendas. A GM é líder em vendas e não pode reclamar de falta da mão amiga do governo, que vem apoiando o setor desde os anos 50.
Se pareceu dura para os executivos da montadora, a frase de Carlos Costa faz sentido. Se nem com a liderança de mercado e mais de 70 anos de proteção não dá para produzir no Brasil, talvez seja o caso de fechar mesmo, como a GM fez recentemente com fábricas no Canadá e Estados Unidos. Isso mesmo tendo sido resgatada pelo governo americano quando beirou a falência na crise de 2008. O mundo dos negócios não é baseado na gratidão.
O setor automotivo passa por uma transição pela qual muitas empresas não vão passar. Em uma década, o mercado será liderado por carros elétricos que serão usados por prestadores de serviços e não por compradores individuais. No Brasil, optou-se pela manutenção da proteção e de um programa que dará apoio ao investimento até 2030. Parece ser muito tempo para uma indústria com incertezas demais.
Idealmente, a prioridade no Brasil deveria ser a construção de um ambiente de negócios mais competitivo. Essa é a pauta do novo governo assumida na campanha e é por ela que deve ser cobrado. Espero que no processo o bolsa-montadora se torne dispensável. Ampliá-lo seria uma contradição.
Nenhuma das grandes montadoras deve deixar o país no curto prazo. O mais provável é que a GM costure concessões do governo paulista e do sindicato dos trabalhadores para melhorar suas margens nos próximos anos, mantendo seus investimentos no país. Mas devemos nos acostumar com a ideia de que empresas fecham quando não conseguem competir.
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