O governo talvez não tivesse saída melhor do que prometer baixar o preço do diesel na canetada, mas o caminho encontrado não é exatamente uma solução de longo prazo e tende a ser trilhado com outros combustíveis. A trégua comprada pelo presidente Michel Temer tem vários problemas secundários ou efeitos colaterais que uma hora ou outra terão de ser enfrentados. Em resumo, o acordo com os caminhoneiros prevê uma redução de impostos (16 centavos, somando Cide e PIS/Cofins) e um subsídio de 30 centavos, pago por impostos e dívida pública (na sexta, o Ministério da Fazenda anunciou o fim de alguns benefícios fiscais que se somam o fim da desoneração da folha de pagamentos aprovada pelo Congresso). A Petrobras e outros importadores de combustíveis terão direito, portanto, a até 30 centavos de crédito junto ao governo por litro de diesel vendido a distribuidores, dependendo das condições de mercado. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) vai calcular diariamente um preço de referência (que é o preço de mercado) a partir do qual calculará a subvenção – que vai ser a diferença, até o fim de julho, para o valor tabelado de R$ 2,03. A fórmula, portanto, é bem complexa. Veja abaixo as principais “pontas soltas” do acordo feito pelo governo:
1. Preços
O governo fez uma aposta quando decidiu dar uma subvenção de 30 centavos: de que ela seria suficiente para lidar com a alta do petróleo e a desvalorização do real. O problema é que nenhuma das duas variáveis está sob seu controle e as duas são bastante voláteis. Há uma tendência ainda de valorização do petróleo por um descasamento de oferta e demanda no mercado internacional, ao mesmo tempo em que a tensão eleitoral pode fazer um estrago no câmbio. Em pouco tempo, 30 centavos podem ser pouco.
2. E em 2019?
O programa para baixar o preço do diesel está garantido em 2018, mas não em 2019. Fica a dúvida sobre sua viabilidade no ano que vem, que só será conhecida quando o governo apresentar o orçamento ao Congresso. Como parte da subvenção foi dada com a folga de déficit fiscal que existia para este ano, dificilmente ela será sustentável em 2019, ano em que a meta de déficit será menor. O novo governo pode tomar posse com protestos de caminhoneiros país afora.
3. Intervenção na Petrobras
Se não tem garantia de que vai conseguir pagar subsídio no ano que vem, o governo abriu uma porta para se especular sobre o grau de intervenção que será feita na Petrobras. Há pressão imediata para que haja alguma medida para conter as altas nos preços da gasolina e do gás de cozinha. Ao mesmo tempo, o governo que assumir em janeiro terá a tentação de “cortar caminho” e intervir na empresa em vez de buscar um novo acordo como o que foi assinado agora.
4. Confiança no tabelamento
O sistema de cálculo do subsídio é complicado e envolve a ANP. Ela vai criar uma espécie de conta-corrente na qual vai calcular diariamente a diferença entre o preço do diesel tabelado e o preço de mercado que a própria agência vai estipular. Nesse movimento, o governo criou duas novidades regulatórias, o preço tabelado e o calculado pela ANP. É preciso que haja bastante transparência no processo para que os preços não sejam maquiados, ao mesmo tempo em que é preciso cuidado para o governo não criar uma conta impagável com os créditos que as petroleiras vão ganhar no processo.
5. Competitividade
Ao tabelar o preço do diesel, o governo desorganizou o processo que tinha como objetivo dar mais competitividade ao mercado. A Petrobras estava permitindo que importadores entrassem no mercado, já que praticava preços internacionais. Agora, o risco para competidores aumenta, pois o valor a receber vai depender de uma conta feita pela ANP. Além disso, o sistema desestimula a entrada de competidores menores porque eles precisam ter caixa para arcar com o preço menor do diesel até receberem o pagamento do governo. A promessa é de pagamentos a cada 30 dias. Mas, no Brasil, esse prazo se torna um motivo de incerteza.
6. Comportamento do consumidor
Manter preços fora do lugar por muito tempo causa uma distorção no mercado. No caso do diesel e do frete mínimo, essa distorção vai se manifestar no desestímulo à busca pela maior eficiência no uso do combustível, maior estímulo à permanência na atividade de transporte, apesar da oferta maior do que a demanda. Se mantiver por muito tempo essa política, o Brasil poderá ficar atrasado na adoção de novas tecnologias e no ganho de eficiência no setor de transportes.