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Até gente do governo caiu na lábia de Zeca Dirceu

O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante a sessão sobre reforma da Previdência na CCJ. Foto: Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil (Foto: )

O deputado federal Zeca Dirceu (PT) conseguiu tirar do sério o ministro da Economia, Paulo Guedes, com seu papo furado sobre tigrões e tchutchucas durante a sessão da CCJ de quarta-feira (3). Se tivesse terminado sua pergunta retórica antes de partir para a ignorância, o deputado estaria apenas refletindo o pensamento médio de muita gente no Congresso, inclusive dentro do governo.

Quando apenas são avaliados os fatos do mundo real, é difícil entender como a proposta de reforma da Previdência foi desidratada antes mesmo de começar a tramitar na Câmara dos Deputados. Mas em Brasília estão todos em uma espécie de campanha eterna, na qual valem mais as construções de ideias do que os fatos em si.

No mundo de Zeca Dirceu e outras dezenas de deputados, a reforma é dura com os pobres. E seria, por isso, uma forma de aliviar a barra dos ricaços. Para eles, a alternativa é uma reforma tributária inútil, com o imposto sobre grandes fortunas ou alíquotas de 70% no Imposto de Renda.

Ocorre que a reforma da Previdência é o contrário disso. Um exemplo bem claro de como a equipe econômica se preocupou com a equidade do sistema está na alíquota máxima de 22% para o funcionalismo que pode se aposentar com vencimentos acima do teto do INSS. Benefício maior, contribuição maior, uma coisa bem simples de entender, e indício de que a reforma não é antipobre. Outro aspecto importante é que a proposta diminui a alíquota mínima, aquela que incide sobre os menores salários.

O argumento de que a idade mínima é um absurdo e vai fazer as pessoas trabalharem até morrer também é infundado. Hoje, os mais pobres já se aposentam com 60 anos (mulheres) ou 65 anos (homens), no mínimo. Essa é a idade exigida para quem não se aposenta por tempo de contribuição, ou seja, trabalhadores com maior grau de informalidade ao longa da carreira. A aposentadoria por tempo de contribuição é, na média, concedida a pessoas com salários mais altos e maior formalidade nas relações trabalhistas. E quem se aposenta aos 65 anos vai morrer, em média, aos 84 anos.

Com a reforma, a diferença na idade de aposentadoria será muito menor, embora trabalhadores de menor renda provavelmente tenham que ir além dos 62 e 65 anos previstos na reforma. Isso porque o tempo mínimo de contribuição vai passar de 15 para 20 anos. Um ponto importante que pode ser cobrado na tramitação da reforma é a construção de mecanismos que aumentem a formalização – algo previsto pela equipe econômica na forma de uma ampla desoneração atrelada ao sistema de capitalização.

Já ficou claro que o Congresso não cogita mudanças na aposentadoria rural e no benefício de prestação continuada (BPC), também com o argumento de que haveria prejuízo para os mais pobres. Há muita demagogia nesse argumento, reverberado na pergunta mal educada do deputado petista. A aposentadoria rural é a maior fonte de déficit previdenciário, de pouco mais de R$ 100 bilhões por ano. As contribuições são poucas e o benefício é garantido por via judicial mesmo em situações em que o INSS não vê comprovação de trabalho agrícola. O sistema hoje entende por padrão que todo trabalhador rural não tem capacidade contributiva, uma contradição em um país que se orgulha da pujança do agronegócio. A reforma disciplina a contribuição, hoje desnecessária, algo que já é regra para o trabalhador urbano.

Para quem não tem capacidade contributiva ao longo da vida, existe o BPC. E aqui a reforma precisa lidar com um ponto muito claro de estímulo à contribuição previdenciária. Se a idade mínima de acesso ao BPC for a mesma da aposentadoria (hoje é de 65 anos), há um desincentivo à contribuição de trabalhadores mais velhos. A solução da reforma foi adiantar o benefício, mas com um valor mais baixo, como um complemento à renda. Poderia ser uma solução mais drástica, como na reforma proposta no governo Michel Temer, que pretendia inicialmente uma idade de 70 anos para o BPC – a mesma de quando o benefício foi criado.

No discurso simplista de que a reforma é antipobre, parece maldade mexer no BPC. Não em um país onde há muitas pessoas muito pobres. Um estudo feito pelo Banco Mundial a pedido do governo brasileiro mostra que o BPC custa R$ 50 bilhões por ano e chega a 4,5 milhões de pessoas, sendo que 70% dos recursos vão para pessoas no grupo dos 60% mais ricos e, no outro lado, 12% vão para o grupo dos 20% mais pobres. Isso contrasta com o Bolsa Família, que custa menos (R$ 29 bilhões), atende mais gente (quase 50 milhões de pessoas, ou 13 milhões de famílias) e tem mais da metade dos recursos direcionados aos 20% mais pobres – com o detalhe importante de que estão nesse grupo uma proporção maior de jovens e crianças, a parte da população mais atingida pela pobreza.

O sistema previdenciário é ainda mais regressivo do que o BPC porque tem distorções maiores. No INSS, o sistema permite aposentadorias precoces, que têm uma média de remuneração mais alta, geralmente aproveitadas por trabalhadores mais bem formados e bem pagos. Como o sistema é deficitário, essas aposentadorias são custeadas por outros impostos, também injustos na distribuição (os mais pobres direcionam um percentual maior da renda a tributos, que no país incidem pesadamente sobre o consumo).

A regressividade aumenta mais quando se olha para o funcionalismo público e os militares. Nos sistemas próprios, onde ainda existem aposentadorias paritárias (iguais ao último salário ou à média de salários), a média das remunerações é algumas vezes mais altas do que no INSS. A escada é a seguinte: os trabalhadores que se aposentam por idade recebem em média R$ 1,1 mil, pouco mais do que um salário mínimo; os que se aposentam por idade ganham R$ 2,3 mil; servidores do Executivo federal, R$ 8,5 mil; do Judiciário, R$ 18 mil; e do Legislativo, R$ 26,8 mil, em média.

O economista Alexandre Schwartsman calculou que os regimes próprios federais entrarão com 22% da economia na reforma, mesmo sendo responsável por 14% do gasto. É uma proposta que torna o sistema menos regressivo, diminui os degraus da escada.

Se a pobreza é realmente a preocupação no Congresso, é hora de se discutir por que em vez de custear o déficit da Previdência o país não amplia os serviços de suporte para crianças e jovens vulneráveis – na maioria das vezes vivendo em uma casa sustentada por uma mulher sozinha. A economia proposta pela equipe de Paulo Guedes faz uma poupança de R$ 1 trilhão em dez anos que é essencial para que o país não tenha de cortar gastos em atendimento social. Qualquer centavo que for cortado dessa economia vai sair de outro lugar no orçamento. Por isso, é assustador ver que mesmo congressistas da base informal do governo repetem o mantra de que a reforma não pode prejudicar os mais pobres. Se ela desandar, são exatamente eles que serão prejudicados.

 

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