Foto: Maicon Gomes/Gazeta do Povo.| Foto:

A ideia de retirar o Brasil do Acordo de Paris, o tratado internacional sobre mudanças climáticas assinado em 2015, vem há algum tempo sendo ventilada pelo candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL). Agora, com sua candidatura bastante próxima de sair vencedora no segundo turno, temos elementos para acreditar que ele tomará essa medida e que ela estará totalmente do lado errado da história.

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Existem dois argumentos principais contra o Acordo de Paris. O primeiro é de fundo pseudocientífico e diz que não há aquecimento ou, acreditando-se termômetros, que ele não é causado pela atividade humana. O segundo é que o acordo é uma interferência internacional indevida, que faz os países abrirem mão de produzir riqueza e bem-estar para sua população em nome de princípios estipulados em órgãos espúrios ligados à Organização das Nações Unidas (ONU).

Alguns acreditam nas duas coisas ao mesmo tempo, como é o caso do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do candidato e membro ativo de sua campanha. Há alguns meses ele gravou um vídeo em uma paisagem cheia de neve em uma cidade dos Estados Unidos “tão distante da Linha do Equador quanto Buenos Aires”, onde não neva daquele jeito – como se só por isso o clima das duas cidades devesse ser igual. Dá a entender que o aquecimento global é uma desculpa da ONU para interferir na soberania de países ricos, que teriam de poluir menos para deixar países em desenvolvimento poluírem. Por isso, ele endossa a decisão de Trump de sair do acordo para “salvar” a indústria americana.

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Levando-se em conta as declarações do próprio Bolsonaro, de seu filho e de membros de sua equipe de campanha, esse tipo de argumento será levado a sério na decisão sobre a posição do Brasil na questão climática. O candidato já afirmou que o “que está em jogo é a soberania nacional, porque são 136 milhões de hectares que perdemos ingerência sobre eles”, em referência às florestas brasileiras. Nesta quarta (17), o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, cotado para ser ministro da Agricultura e Meio Ambiente no governo Bolsonaro, argumentou em entrevista à Folha de S. Paulo que o Acordo de Paris não pode passar por cima da legislação brasileira.

Apontar para um monte de neve e dizer que não há aquecimento global é o mesmo que circular pela Avenida Paulista e dizer que não existem favelas no Brasil. Por coincidência, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) divulgou neste mês um novo relatório feito a pedido dos países signatários do Acordo de Paris no qual avalia os riscos envolvidos com o aumento da temperatura da Terra. Suas constatações deveriam fazer qualquer político sério se mobilizar para fazer o acordo ser implementado, não o contrário. Mas não será lido pela campanha de Bolsonaro.

O IPCC estima que a temperatura da Terra se elevou em 1°C desde a Revolução Industrial. Pelo ritmo atual, chegaremos a 1,5°C entre 2030 e 2052, e sem uma ação rápida não evitaríamos um caminho rumo aos 2°C ou mais. Segundo o relatório, o cenário com mais 0,5°C de aquecimento seria atingido com uma redução de 45% nas emissões relativas a 2010 já em 2030 e emissões zero a partir de 2050. No Acordo de Paris, os signatários se comprometeram a perseguir um caminho de menos de 2°C (esse limite seria obtido com queda de 20% nas emissões relativas a 2010 e zero a partir de 2075).

A diferença entre os cenários é que os efeitos associados às mudanças climáticas na saúde, suprimento de água, produção agrícola e crescimento econômico são mais fortes com aquecimento de 2°C. Como a maior frequência de eventos climáticos extremos na última década já comprova, a inevitável elevação da temperatura em mais 0,5°C trará problemas. Se for além disso, teremos de nos adaptar a efeitos mais fortes, em alguns casos mais devastadores. Um exemplo: limitar o aumento da temperatura média a 1,5°C reduziria o número de pessoas mortas devido a ondas de calor, um problema amplificado pela existência de ilhas de calor em grandes cidades.

A ciência já tem elementos suficientes para recomendar a redução das emissões de gases do efeito estufa, mas o meio político é bastante resistente a mudanças. O nacionalismo e o medo de perdas econômicas imposto por setores da economia dependentes de combustíveis fósseis formam uma grande barreira para que os países reunidos em Paris se comprometessem com metas obrigatórias. Por isso, é estranho que Bolsonaro critique a entrada do Brasil no acordo. Que fique claro: as metas assumidas pelo Brasil não são obrigatórias e não desobedecem leis nacionais.

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Pode ser que o texto das metas brasileiras não tenha sido lido com atenção pelo presidenciável. O Brasil se comprometeu a cumprir o Código Florestal e zerar o desmatamento ilegal até 2030. O argumento de que o acordo vai contra o código, portanto, é uma falácia. Há também uma boa oportunidade para o agronegócio, já que o Brasil diz que vai ampliar o uso de biocombustíveis. Isso ajudaria o país a atingir uma fatia de 45% de fontes renováveis em sua matriz energética até 2030. A expectativa era chegar a uma redução nas emissões de 37% em relação a 2005 até 2025, e 45% até 2030.

Antes de acusar o Acordo de Paris de ser uma intromissão na soberania, podemos dizer que ele é um tratado fraco demais diante do tamanho do problema. Serão necessárias algumas décadas de redução coordenada nas emissões para se evitar o rompimento da barreira dos 2°C, a partir da qual os efeitos climáticos serão muito severos. O Brasil daria o sinal errado se seu governo comprasse a tese de que o melhor a fazer é imitar o presidente dos EUA, Donald Trump, e sair do acordo.