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Como o funcionalismo deu um olé no ajuste fiscal

Mensagem de uma das greves de servidores do INSS: pauta constante da valorização da carreira. Foto: Aniele Nascimento (Foto: )

A equipe econômica do governo Michel Temer vinha tentando nos últimos dois anos lidar com os salários do funcionalismo dentro do ajuste fiscal, sem sucesso. Agora, eles deixam para a equipe de Jair Bolsonaro algumas sugestões para tratar o tema: acabar com as contratações de novos servidores e congelar salários até 2022.

A ideia da equipe que sai é um tanto irônica, já que Temer acabou de sancionar o reajuste de 16% para os ministros do STF, o gol mais recente do funcionalismo contra o ajuste fiscal. Além disso, pelo menos 20% dos servidores federais vão acumular um reajuste acima da inflação no período 2015-2019, pegando portanto a gestão Temer.

Não é de hoje que os métodos de negociação dos servidores se mostra eficiente. Eles aproveitam ciclos de expansão econômica, quando a arrecadação sobe, para fazer a pauta do aumento real andar. E se dão bem também quando a recessão pega forte e faz cair a inflação – isso porque os acordos geralmente incluem vários anos e projetam uma expectativa de inflação que não se concretiza quando a economia vai para o buraco.

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Em um documento entregue à equipe do futuro ministro da Economia Paulo Guedes, o ministério do Planejamento detalha o desempenho de algumas categorias. A advocacia pública conseguiu negociar um pacote de reajuste de 21,3% para o período 2015-2019, contra uma inflação hoje projetada em 18,58%. Carreiras do chamado “ciclo de gestão”, que inclui funcionários da área de gestão, como especialistas em planejamento, o pacote foi de 28%. Médicos peritos, funcionários do DNIT, Incra e áreas de políticas sociais também conseguiram esse percentual. O melhor reajuste ficou com as polícias, com percentuais que vão de 35,7% a 47,3%. Militares também tiveram ganho acima da inflação, com o mesmo método de negociação plurianual.

Ouvimos muito o argumento de que os salários do funcionalismo estão defasados e que a reposição da inflação está na lei. Isso pode ser verdade para algumas carreiras, mas não é a regra. Na verdade, o funcionalismo ganha mais do que trabalhadores da iniciativa privada com a mesma qualificação e esta distância vem aumentando com o tempo.

Um estudo feito pelos economistas do Insper Naércio Menezes e Gabriel Nemer Tenoury calculou essa diferença salarial não explicada pela qualificação. Em 2015, o “bônus” para ser um funcionário público era de 17,2%. A diferença é concentrada nas esferas federal (93%) e estadual (32%). O que mais chama a atenção é que a diferença na esfera federal era de 50% em 1995 (e 3% na estadual no mesmo ano). Nas contas do economista Carlos Góes, o aumento real nos salários da iniciativa privada foi de 20% no período de 2004 a 2015, contra 40% no setor público.

Ironicamente, os ministros do STF não se deram tão bem. Seus salários deve subir de R$ 33,7 mil para R$ 39,4 mil, mas poderiam chegar perto dos R$ 44 mil se os vencimentos de 2005 fossem corrigidos pela inflação. O problema aqui é que os vencimentos dos ministros balizam os salários de cargos em todas as esferas do poder público, criando um efeito cascata que será muito bem recebido por gente que não tem a obrigação de olhar pela Constituição do país. Os ministros ficam em uma situação delicada porque são, no fim, culpados por um aumento bilionário nos gastos públicos.

Desacelerar os aumentos ao STF, no entanto, não significa que outras carreiras estejam perdendo renda. O setor público se tornou um enorme gerador de dribles ao teto salarial, incluindo o famigerado auxílio-moradia e outros penduricalhos. O economista Carlos Góes usou dados da Receita Federal para analisar o desempenho de duas carreiras públicas: membros do Ministério Público e do Judiciário e Tribunais de Contas. A conclusão é que seus rendimentos, já corrigidos pela inflação, ficaram em torno de R$ 55 mil por mês em todo o período de 2007 a 2016. São carreiras que vão ganhar mais com o novo teto do STF, aumentando a desigualdade geral de renda no país.

Mesmo um governo que tinha o ajuste fiscal em mente não conseguiu fazer muito para deter o gasto com pessoal, além de congelar os concursos. Nos primeiros meses de governo, Temer aceitou que o Congresso concedesse reajustes a várias carreiras, comprometendo-se com correções que vão até o ano que vem. Na discussão do orçamento de 2018, o governo tentou jogar parte do reajuste para a frente via Medida Provisória, mas foi derrotado por uma liminar do ministro Ricardo Lewandowski. A mesma estratégia foi adotada para o orçamento de 2019 e a questão voltou ao Supremo, com o mesmo ministro.

A nova equipe econômica terá de encarar novos pedidos de reajustes a partir do ano que vem. Se jogar duro, poderá reduzir a diferença acentuada entre o que ganham os funcionários públicos e trabalhadores da iniciativa privada. E também reduziria a distância do Brasil para outros países. Aqui, o gasto com pessoal em todas as esferas é de cerca de 13% do PIB (dado de 2015), maior do que em países com serviços públicos generosos como França e Portugal, e do que em países com economias similares, como o Chile (onde é de 6,4% do PIB).

A pressão virá, inclusive, de dentro do próprio governo, agora ocupado por vários membros das Forças Armadas: o reajuste da tropa está garantido até o ano que vem e uma nova negociação está para começar. Outra frente importante será nas instituições de ensino, que hoje respondem pelo maior gasto federal com pessoal depois das Forças Armadas. Podemos esperar greves, como sempre, e a repetição à exaustão do argumento falso de que os salários dos servidores estão defasados.

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