O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu fazer política de desenvolvimento econômico na quinta-feira (25), quando estabeleceu que qualquer empresa tem direito a créditos tributários de IPI ao comprar insumos isentos da Zona Franca de Manaus. Os seis ministros que votaram por esse entendimento argumentaram que esse é um benefício que faz parte do plano de desenvolvimento da região previsto na Constituição.
Essa decisão se soma ao cipoal tributário que compõe o ambiente de negócios no Brasil e é um exemplo final de que o país está à beira de se tornar inadministrável. Dois fatos, especialmente, impressionam. O primeiro é o tribunal ter criado um novo benefício fiscal, não previsto em lei, e que faz a mágica de transformar um zero em bilhões de reais nos bolsos de grandes empresas. O segundo é a falta de comprometimento da corte com todos os outros contribuintes que pagarão a conta. Afinal, o benefício vai reduzir em aproximadamente R$ 16 bilhões por ano a arrecadação federal. É fácil dar o benefício. Difícil é acertar o orçamento depois.
A Zona Franca de Manaus é uma ideia cara e ineficiente, cuja existência jamais deveria ter entrado na Constituição. Essa amarra legal faz com que o Estado mantenha benefícios tributários a empresas ali instaladas sem fazer análise de custo-benefício – já que isso é inútil contra uma norma constitucional. A manutenção da ZFM custa R$ 25 bilhões ao ano em tributos não recolhidos. O retorno para a sociedade é bancar com impostos, pagos em regiões não beneficiadas, a industrialização em um lugar determinado como especial pelo Estado.
Zonas especiais de produção são uma ferramenta comum de desenvolvimento ao redor do mundo. A regra geral, no entanto, é que essas zonas produzem para exportação, tendo como benefício um sistema de isenções tributárias. A ideia é que o conhecimento industrial adquirido nessas zonas “vaze” para outras regiões, permitindo que o país se industrialize mais rapidamente. O ideal é que os benefícios sejam por tempo determinado.
No Brasil, a ZFM tem mais 53 anos de isenção pela frente. Seus créditos tributários a tornam competitiva diante de outras regiões do país, o que é bastante questionável do ponto de vista de equidade competitiva. Mas em um país cheio de exceções, programas especiais e afins, é quase uma coisa normal. O que o STF decidiu, no entanto, extrapola a normalidade. Permite que empresas instaladas fora de Manaus tenham benefícios fiscais equivalentes às que estão lá – elas comprarão insumos sem pagar IPI e, mesmo assim, terão direito a um crédito pelo tributo não pago que será compensado com a redução no imposto final a pagar.
Na prática, serão grandes empresas, com cadeias produtivas longas, as maiores beneficiadas. Elas têm condições de procurar fábricas da região para fornecerem insumos, gerando créditos suficientes para reduzirem bastante a carga tributária sobre seus produtos finais, feitos em outras áreas. Os bilhões do contribuinte, no fim, não irão para o desenvolvimento da Amazônia, mas para as empresas com bons tributaristas e capacidade de montar uma cadeia de suprimento que inclua a ZFM.
Esse efeito, não levado em conta pelo STF, provoca um desequilíbrio competitivo. Empresas com insumos da ZFM pagarão menos impostos do que empresas com insumos feitos em outras regiões. A competição desigual, assim, vira regra.
Também ficou de fora da análise do STF o impacto fiscal. O governo federal vem fazendo um enorme ajuste fiscal há cinco anos. O desequilíbrio no orçamento veio justamente de benefícios bilionários concedidos ao setor produtivo e que não deram retorno na forma de crescimento econômico. Quando a conta chegou, o governo teve de cortar investimentos e reonerar setores que haviam sido beneficiados.
Para se ter uma ideia do buraco criado pela corte, o orçamento deste ano prevê um déficit fiscal de R$ 139 bilhões. Ficaria mais de 10% maior com a decisão de ontem do STF. O crédito de impostos consumiria em seis anos toda a arrecadação prevista pelo governo com o leilão dos blocos de petróleo excedente da capitalização da Petrobras, calculada em R$ 100 bilhões. Como o orçamento federal está no limite, o mais provável é que o governo precise elevar tributos em outras áreas para compensar a perda provocada pelo STF.