A Câmara dos Deputados aproveitou a votação de um projeto de lei sobre o mercado de energia elétrica, na quarta-feira (27), para criar mais uma jabuticaba econômica: o Brasduto. O termo se refere a um fundo que vai reunir 20% do que o governo arrecadar com o pré-sal para investir na construção de gasodutos.
A ideia é um retrocesso que fica muito nítido quando comparada à iniciativa anunciada pelo governo nesta semana para modernizar o mercado de gás natural. O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a projetar uma redução de 40% no preço do insumo com a abertura do mercado, que vai ocorrer com desinvestimentos da Petrobras e privatizações feitas pelos estados, além da mudança de regras no uso de gasodutos.
Paulo Guedes está provavelmente sendo otimista demais, mas é provável que a abertura do mercado melhorará o fornecimento de gás com preços determinados pelo mercado. Se os preços serão muito menores, vai depender de fatores como cotações internacionais e a velha regra da oferta e demanda. Hoje, isso não existe no mercado - a Petrobras detém 77% da produção nacional e 100% da importação de gás, domina direta ou indiretamente quase a totalidade da infraestrutura e impede a entrada de concorrentes ao fechar seus gasodutos para outras empresas.
A redução do peso da Petrobras no mercado de gás deve estimular mais investimentos. Em uma frente, empresas poderão fechar contratos de fornecimento sabendo que terão como levar o gás de um lugar para outro, já que os gasodutos darão o direito de passagem. Investidores interessados em produzir gás terão um mercado maior para atingir, o que deve levar também a uma expansão nos gasodutos.
Para o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, esse estímulo será suficiente para que as empresas encontrem no mercado o dinheiro para investir na expansão do uso do gás natural. Já há os instrumentos financeiros, como debêntures incentivadas, mas falta ainda existir um mercado de verdade para o dinheiro chegar.
Na Câmara, a visão é diferente. Empreiteiras gostam de fundos porque eles criam uma demanda obrigatória e artificial por seus serviços, independentemente de haver ou não mercado. O Brasduto é o tipo de intervenção moldada para beneficiar grupos influentes em detrimento do contribuinte.
Se a ideia passar no Senado e não for vetada, o governo passará a ter de decidir como alocar 20% do que arrecadar com o pré-sal em dutos espalhados pelo país. A decisão sobre o investimento passa a ser política e com o tipo de resultado que podemos antecipar sem nem ver os projetos: mais caro e menos eficiente do que se o risco fosse 100% privado.
O jabuti na hora certa
A emenda do Brasduto foi inserida em um projeto que tinha muitos interessados em sua aprovação. Ele prevê a solução de um passivo de R$ 7 bilhões gerado pelo déficit em geradoras de energia elétrica em anos de seca. Aqui, mais uma vez o consumidor foi chamado a arcar com parte do risco privado.
A regulação brasileira diz que as usinas hidrelétricas assumem um risco hidrológico em contratos de fornecimento de longo prazo. Assim, quando há uma seca e elas não conseguem gerar energia, precisam buscar no mercado outras fontes que atendam seus clientes. Na crise hídrica de 2013-2014, várias usinas ficaram descobertas e conseguiram liminares para não ter de arcar com o custo extra.
A briga judicial evoluiu para uma negociação com o governo e se chegou a um modelo em que as usinas serão compensadas pelo custo extra com uma extensão de suas concessões. A solução não coloca dinheiro do contribuinte diretamente, mas reduz a arrecadação (que ocorreria com o leilão das concessões em seus vencimentos) e prejudica consumidores por não permitir que as concessões sejam renovadas em condições melhores do que as atuais - geralmente, o custo da energia cai nas renovações porque a construção das hidrelétricas já está amortizada.