O último título da seleção brasileira foi em um ano daqueles: tivemos crise cambial e uma eleição conturbada, com uma mudança de poder inédita. No fim, deu tudo certo. O Brasil ganhou a Copa e o mundo político se reorganizou em torno do governo petista, tocando os negócios como sempre. Em 2003, a economia já estava nos eixos e o país entrou no que foi a melhor fase de crescimento das últimas três décadas. O custo, como sabemos, foi alimentarmos o esquema de corrupção que sustentou o lulismo até a derrocada de Dilma Rousseff.
Se houve um arranjo para o país continuar tocando a vida em 2002, podemos esperar algo semelhante agora. Mas há diferenças importantes. Uma delas é que a economia está mais desarrumada do que na transição de 2002 para 2003. Outra é o fato de os candidatos mais bem colocados nas pesquisas – Jair Bolsonaro, Marina Silva e Ciro Gomes – terem discursos que por enquanto não demonstram muita disposição para tocar as reformas de que o país precisa, no ritmo necessário. Lula, em 2002, fechou acordo com o FMI e escreveu uma carta dizendo que não mudaria a política econômica. Era o que bastava.
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Muita gente vai discordar dessa avaliação sobre a situação atual da economia. Meu argumento aqui é que em 2002 tínhamos uma crise principalmente cambial provocada em grande medida pelo próprio processo eleitoral. Ela contaminou a inflação de 2002 e 2003 e isso fez com que o novo governo tivesse de tomar medidas duras, como aumentar os juros e o superávit primário. Mas havia instrumentos para que o governo fizesse o trabalho sem negociar nada no Congresso.
A questão hoje é diferente. Temos uma crise fiscal aguda a ponto de o mercado testar o Banco Central em um momento em que ele está abarrotado de dólares em suas reservas. E as dificuldades para corrigir o rumo são muito maiores do que em 2002 porque há pouca margem para corte de gastos ou corte de juros para estimular a economia. O novo governo estará amarrado e terá de fazer escolhas difíceis, como se subirá impostos ou cortará ainda mais os gastos para cumprir o teto do orçamento (ou, ainda mais difícil, se vai encarar uma votação no Congresso para derrubar o teto).
Os candidatos parecem não estar ligando muito para tudo isso, apesar do desemprego alto e da tendência incômoda de redução na previsão de crescimento para este ano. Eles podem até vender a ideia de que vão estimular a criação de empregos, mas o governo não tem caixa para isso. E também podem não encarar de frente a necessidade de se fazerem reformas profundas, como a da Previdência, embora o nó fiscal esteja acorrentado a este problema.
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No front internacional, a situação é diferente também. Em 2002, os Estados Unidos estavam baixando os juros para se recuperarem do estouro da bolha das pontocom. Agora, a maior economia do mundo está subindo suas taxas para lidar com o superaquecimento provocado pela política expansionista de Donald Trump. Os mercados estão tentando adivinhar o tamanho desse movimento e provavelmente vamos ter solavancos pela frente.
A sensação de desconforto no país hoje é tamanha que nem a Copa empolga mais. Levantamento do Datafolha mostra um desinteresse pelo evento que atinge mais da metade da população. Há também um desinteresse pelo debate eleitoral e os índices de confiança na economia pararam de melhorar. Esse mau humor é algo que reforça a análise de que o Brasil entrou em uma recuperação semiestática: devagar a ponto de nem sentirmos que saímos do lugar.
A boa notícia é que o Brasil vai à Copa com a melhor seleção desde 2002. Pelo menos aí temos chance de sair com alguma vitória no segundo semestre deste ano.
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