Os mercados nesta semana aceitaram o fato de que o coronavírus é uma ameaça séria à economia global e que seus efeitos não são previsíveis. Focos do vírus em diversos países, em especial na Coreia e na Itália, derrubaram a tese inicial de que o vírus ficaria restrito a parte da China e seria contido ainda no primeiro trimestre.
No início da crise do coronavírus, o paralelo que se fez foi com a SARS, doença que matava mais do que o vírus atual, mas que tinha um potencial menor de transmissão. No episódio de 2003, os efeitos econômicos ficaram restritos a um trimestre e afetaram principalmente a economia chinesa, que cresceu dois pontos percentuais menos do que o previsto.
As diferenças entre os dois episódios agora ficaram mais claras. O COVID-19 tem um índice menor de fatalidades, mas é mais transmissível. Aparentemente, não tem o potencial de transmissão de uma gripe, mas é o suficiente para o rápido aparecimento de focos com centenas de infectados. Os casos da Coreia e da Itália ilustram esse risco.
A economia global hoje é mais integrada do que há 17 anos, principalmente nas cadeias produtivas de alto valor. A paralisação de fábricas na China já afeta o lucro de empresas como a Apple, que cortou sua previsão de vendas no mercado chinês e suas entregas para outros países. O esforço de contenção feito pela China controlou, por enquanto, a curva de crescimento no número de casos. Ao mesmo tempo, muitas indústrias têm dificuldades para retomar a produção por causa das restrições à circulação de pessoas.
Fora da China, o coronavírus tem conseguido avançar em países onde a imposição de restrições à circulação pode ser mais complicada. Na quarta-feira, a Coreia anunciou o surgimento de mais 505 casos e a contenção já levou à paralisação de fábricas. Há preocupações, por exemplo, sobre o desempenho da Samsung, maior conglomerado do país, que precisou fechar uma fábrica há cinco dias.
Na Itália, o coronavírus apareceu na sua principal região industrial. Há, por exemplo, fábricas de componentes para a indústria automotiva que não estão conseguindo operar normalmente. O receio de investidores é que mesmo pequenas concentrações de casos de coronavírus podem interromper cadeias produtivas em um continente onde não existem restrições para a circulação de pessoas entre países.
O aparecimento de focos do vírus, no momento, precisa ser tratado pelas autoridades como algo inevitável e, ao mesmo tempo, imprevisível. Para empresas, isso significa esperar para tomar decisões importantes de investimento e criar planos de contenção para suas cadeias produtivas, algo sempre oneroso.
Podemos esperar desde já uma queda na lucratividade dos setores mais expostos a uma crise sanitária global: turismo, aviação, commodities, segmentos com cadeias globais de valor (celulares e automóveis, por exemplo) e aqueles que dependem do otimismo do consumidor (bens duráveis). Essa queda ainda pode se ater ao primeiro trimestre, mas isso é cada vez menos provável.
Há duas razões para esperarmos efeitos econômicos negativos mais longos. Uma é a dinâmica de contenção do vírus, que neste momento só é possível com a limitação da circulação de pessoas - algo necessário quando se trata de uma doença com letalidade acima de 2%. Tratamentos mais eficazes e vacinas ainda demorarão para aparecer.
A segunda é o fato de a economia chinesa ter sido a maior afetada. Atualmente, ela responde por 20% do PIB global e seu papel é mais importante do que há 17 anos. O crescimento econômico chinês já vinha desacelerando e deveria fechar o ano pouco abaixo de 6%. Algumas previsões já apontam para um crescimento entre 2,5% e 4%. Um desempenho pior da China, hoje, significa uma desaceleração global em 2020, depois de um 2019 enfraquecido pela guerra comercial com os EUA.
Para o Brasil, o coronavírus significa uma revisão forte de expectativas para 2020. Há muito pouco a ser feito em um cenário de interrupção mais prolongada em cadeias produtivas globais (e de mercados como turismo e viagens aéreas) e de retomada lenta na China. O mercado vai rever as projeções para este ano, com uma expectativa de crescimento do PIB possivelmente abaixo de 2%.
O caminho inicial para um estímulo adicional à economia estaria nas mãos do Banco Central, que tem uma margem, embora pequena, para cortar os juros. A inflação projetada para este ano está bastante abaixo da meta de 4% (o mercado espera 3,2%). O risco aqui é que o câmbio também pode se deslocar, por um período longo, para um nível incômodo para a inflação. O BC terá de medir bem o risco cambial e o benefício do preço mais baixos de commodities em suas decisões.
Parece não existir margem e disposição para um estímulo fiscal capitaneado pelo governo federal. Com os juros mais baixos, a dívida pública brasileira caminha para a estabilização em um nível ainda alto. Qualquer gasto adicional pode significar uma reação negativa (que compromete a manutenção dos juros baixos), embora isso possa ser justificável se o cenário de incerteza perdurar por mais um trimestre. A tendência da equipe econômica, no entanto, é manter o plano orçamentário e permitir que o BC tenha mais liberdade para relaxar a política monetária.
Talvez o maior risco hoje para o país seja o comprometimento da agenda de concessões e privatizações. Das pautas econômicas em andamento, é a que tem maior potencial de atrair investimentos em um tempo curto e fazer diferença para a economia em 2020 e 2021. Felizmente, esse tipo de investimento de longo prazo é menos sensível a questões como um vírus que pode ser contido em questão de semanas ou meses.
No melhor cenário, de contenção de todos os focos até o fim de março, teríamos crescimento anual um pouco mais baixo do que o previsto, inflação na meta e investimentos entrando via concessões. Uma retomada mais forte viria em 2021.
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