Na terça-feira (28), o ministro da Economia, Paulo Guedes, subiu o tom na guerra de narrativas que se tornou a visão sobre a economia em 2022. Ele classificou como "fake news" as projeções de baixo crescimento no ano que vem e disse que, com as reformas em tramitação no Congresso, há razão para otimismo.
Chamar colegas economistas de propagadores de notícias falsas não é o melhor argumento para debater a economia e isso dificilmente vai melhorar qualquer projeção. Existem fatores reais que estão sendo colocados na conta pelos departamentos de análises e os números aos quais eles chegam estão piorando. Como tudo que tem relação com o futuro, no entanto, há chance grande de erro.
Um exemplo é o relatório do banco Itaú no qual é revisada a projeção de crescimento para 2022 - de 1,5% para 0,5%. Os economistas do banco anteciparam a necessidade de um aperto monetário maior, com a taxa de juros chegando a 9% no ano que vem. O resultado da última reunião do Copom indica que essa é uma possibilidade concreta e isso deve levar mais bancos a refazerem suas contas.
O relatório do Itaú também destaca que fatores que estão contribuindo para o crescimento de 2021 perderão impulso. Preços de commodities devem cair, movimento que já atingiu em cheio um dos principais produtos de exportação do Brasil, o minério de ferro. A retomada de serviços, para os economistas do banco, deve se concentrar no segundo semestre de 2021, influenciando pouco os números de 2022.
Essa não é uma visão isolada nem unânime. O Credit Suisse revisou sua projeção para o PIB de 1,5% para 1,1%, colocando na conta uma taxa de juros de 9,75% no fim do ano que vem e levando em consideração o impacto da inflação mais alta sobre o poder de consumo. O Santander mantém, por sua vez, uma conta de 1,7% - a economista-chefe do banco, Ana Paula Vescovi, declarou recentemente que vê pessimismo exagerado nas revisões que projetam crescimento abaixo de 1%.
A equipe econômica tem sua própria tese. A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia lançou um documento de 23 páginas explicando por que mantém uma perspectiva de crescimento de 2,5% em 2022. Três argumentos principais são usados para defender o número: carregamento estatístico, volta do setor de serviços e retomada de investimento.
A SPE explica que, se o PIB crescer 5,3% neste ano, como ela espera, haverá um carregamento estatístico de 1% - ou seja, se não houver expansão do PIB em nenhum trimestre, a economia terá um crescimento de 1% na comparação anual. Com um crescimento trimestral médio de 0,5%, já teríamos um PIB anual perto de 2,5%.
Também é levado em conta pela Economia que os números do investimento vieram fortes no primeiro semestre deste ano. Aqui, há uma conjunção de fatores, como a disponibilidade de recursos em setores beneficiados pela alta dos preços das commodities, retomada do setor da construção civil e novas concessões que aumentam o "estoque" de investimentos contratados.
Para finalizar, a SPE vê que a retomada de serviços poderá ser mais longa porque uma parcela importante, a de serviços prestados às famílias, ainda está longe do nível pré-crise. Haveria, portanto, ainda uma fonte extra de crescimento para 2022.
Em se tratando de futuro, nem a SPE nem o Itaú estão 100% corretos ou errados. Eles trabalham com hipóteses diferentes. Provavelmente os dois terão de ajustar suas contas várias vezes até dezembro de 2022.
O fato que não pode ser ignorado pelo ministro Paulo Guedes é o de que o cenário piorou muito neste segundo semestre. A crise de fornecimento de energia é profunda e levará preços mais altos aos consumidores por muitos meses, talvez anos. Na indústria, há muita incerteza sobre a normalização das cadeias de fornecimento, que agora sofrem com a perspectiva de paradas forçadas de fábricas na China por falta de energia. O preço do petróleo continua em alta.
E na área fiscal parece que o governo tem feito o possível para criar uma densa neblina na frente dos analistas econômicos. Ao tratar os precatórios como um meteoro inesperado, Guedes jogou para o Congresso uma PEC que foi muito mal recebida pelo mercado porque criava uma bola de neve que empurraria a conta para a frente. Uma alternativa ainda está sendo costurada.
A reforma do Imposto de Renda, que o governo quer aprovar a todo custo para viabilizar o Auxílio Brasil, vai reduzir as receitas e, da maneira que foi aprovada na Câmara, cria uma desoneração injustificável, como argumentei anteriormente. O terceiro projeto citado por Guedes para destravar o otimismo contido no mercado é a reforma administrativa, que veio desidratada desde a origem e perdeu mais peso durante a tramitação no Congresso.
Os economistas de mercado têm direito de não acreditar que virá desses projetos ainda não aprovados o impulso para um crescimento vigoroso no ano que vem.
De tudo que o governo fala sobre 2022, os melhores argumentos ainda estão na retomada de investimentos e no carregamento estatístico. O primeiro é uma boa notícia. Neste ano, foram destravados leilões na área de saneamento (que ainda vão continuar) e há boas perspectivas em infraestrutura, incluindo, quem sabe, o leilão do 5G. Já o carregamento estatístico é pura inércia e depende de todo o resto.
Guedes não é um ministro querido pelos colegas da Faria Lima. E a guerra de narrativas temperada pelo argumento das fake news piora bastante a relação.
Este texto foi corrigido às 14h do dia 29/09 retirando-se a opinião de que o modelo da SPE não traz dados de Selic e inflação, como nas projeções feitas pelos bancos citados. Segundo a SPE, o estudo citado neste texto não deve ser entendido como um modelo, e sim como uma conta reversa a partir da projeção de crescimento obtida pelo modelo da Secretaria. Neste caso, o modelo usa Selic e inflação presentes no Relatório Focus.
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