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Guido Orgis

Guido Orgis

FGTS perde razão de existir e saque a cada dois anos deveria virar a regra

Notas de real amontoadas
(Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

Poderíamos eleger de vez os anos ímpares como aqueles em que o FGTS é liberado para as pessoas mostrarem o que fariam com o dinheiro se ele não fosse controlado pelo governo. Em 2017, foram liberadas contas inativas. Agora, parte das contas ativas. E poderíamos seguir nesse caminho a cada dois anos.

O que o governo vai conseguir com a liberação de cerca de R$ 40 bilhões do fundo é mais do que alguns décimos de crescimento a mais neste ano e em 2020. Ele vai comprovar que o FGTS é anacrônico e que as pessoas sabem melhor do que o governo o que querem fazer com o dinheiro.

Um estudo do Banco Central feito depois da liberação de 2017 mostrou que a maioria das pessoas gastou o dinheiro. Dos R$ 44 bilhões sacados, o BC conseguiu mapear R$ 28 bilhões. Desses, R$ 5 bilhões quitaram dívidas e outros R$ 13 bilhões foram gastos, a maior parte em cartão de crédito. Houve aumento nas contratações de empréstimos para a compra de carros e imóveis. Outra parte, R$ 15 bilhões, foram investidos ou gastos em dinheiro vivo.

Se ficasse na mão do governo, o dinheiro do FGTS seria usado para financiar a construção de imóveis e projetos de infraestrutura. No passado recente, alguns desses financiamentos via o FI-FGTS foram para iniciativas investigadas pela Lava Jato.

Tirando o lado suspeito da aplicação do FI, é até possível afirmar que o FGTS tem uma destinação nobre. Afinal, o Brasil precisa investir mais em saneamento. A questão mais importante, no entanto, é saber se os donos do dinheiro querem financiar habitações e saneamento. Segundo o estudo do BC, as pessoas preferem gastar e investir por conta própria. Podem até ter comprado debêntures de infraestrutura para ter um rendimento melhor do que o permitido pelo governo no FGTS.

Além de provar de novo que a destinação do dinheiro é diferente quando na mão dos trabalhadores, a liberação das contas ativas colocará por água abaixo o argumento do fundo como garantidor de uma indenização para os casos de demissão. Quanto têm a chance, as pessoas sacam o dinheiro. E vai ser assim com qualquer valor que o governo decidir liberar. O depósito compulsório em uma conta gerida pela Caixa é intervenção demais para uma sociedade de pessoas adultas.

É claro que acabar com o FGTS não é uma possibilidade imediata. Primeiro, porque está na Constituição. Segundo, porque a maior parte do dinheiro não está no fundo, mas sim emprestada para empresas e donos de imóveis. Mas no longo prazo é bom a sociedade repensar o papel do FGTS como financiador de prédios e afins. Deixamos de criar um mercado de capitais porque existe o caminho fácil do depósito compulsório e isso é ruim tanto para o trabalhador quando para o investidor que gostaria de ver retorno sobre seus recursos mas precisa concorrer com o dinheiro barato do fundo.

Também sempre haverá o argumento de que os 8% depositados pelas empresas não serão incorporados ao salário dos trabalhadores - o que talvez não seja exato, já que ele faz parte do custo total dos salários de qualquer empresa.

Se acabar com o FGTS é politicamente desafiador, é melhor antes criar a regra do saque a cada dois anos. Já estamos entrando na segunda experiência do gênero e bastaria fazer a regulamentação do processo. Pode ser um percentual por faixas, como prevê agora o governo. Com o tempo, ele pode crescer para deixar menos dinheiro na mão do governo.

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