O governo está comemorando o acerto entre a Petrobras e o Cade que vai levar à saída da estatal do mercado de gás natural. Este é um passo na direção certa: vai aumentar a competição e atrair novos investimentos no longo prazo, podendo até reduzir preços ao consumidor. Quanto? Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, até 40%.
Não é fácil encontrar evidência de que esse percentual seja de fato possível, pelo menos não no curto prazo. E essa não é uma lacuna incomum em anúncios ligados ao Ministério da Economia. Desde a campanha, vários números colossais divulgados dão uma sensação de "não era bem assim" quando confrontados com a realidade. Para um ministério que vive de números, não é um problema desprezível.
O preço do gás natural no Brasil é dividido em três partes, segundo estudo do ano passado da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia (MME): molécula (46%), transporte (13%), distribuição (17%) e impostos (24%). A molécula é o gás em si, cujo preço está ligado ao mercado internacional. De acordo com a EPE, o preço no Brasil é comparável aos mercados europeu e asiático e só seria afetado por um choque de oferta interna que depende de investimentos de longo prazo.
Acredita-se que a saída da Petrobras do transporte e distribuição, que representam 30% do custo do gás, vai aumentar a competição e baixar preços. Não é possível saber quanto - isso depende da amortização de investimentos nas malhas de distribuição e outros fatores que variam de região para região. No geral, porém, haveria uma queda de 50% nas margens das distribuidoras se atingíssemos o patamar da vizinha Colômbia, por exemplo. Seria um avanço, mas não passaria de 15% do preço final.
Ainda faltaria um tanto para os 40%. Ao anunciar esse percentual, o ministro criou a expectativa de que haverá um efeito amplo de mudanças regulatórias (difícil de antecipar) e possivelmente cortes nos impostos, o que não depende só do governo federal. Sobre o produto incidem PIS/Cofins (federal, 9,25%) e ICMS (estadual, de até 25%).
Estimativas realistas e bem documentadas ajudam a balizar expectativas. Há poucas semanas, o ministro da Economia falou que seriam injetados R$ 100 bilhões na economia vindo de compulsórios. Esse número pode até ser viável no médio prazo, mas depende do Banco Central, que é o regulador do setor bancário. E o BC será bem cuidadoso nesse processo de redução dos compulsórios porque o processo pode aumentar a dívida pública - os bancos em um primeiro momento vão manter esses recursos no próprio BC em operações que são registradas como dívida, as compromissadas.
A liberação de compulsório feita em junho foi de R$ 16 bilhões. Não temos como ter certeza de que todo o dinheiro vai virar crédito imediatamente. O BC deve reduzir o valor exigido dos bancos em levas dessa magnitude e é impossível saber até onde a autoridade vai e em que prazo.
Em outro episódio, o Ministério da Economia divulgou um estudo em que estima que serão criados 3,7 milhões de empregos com a medida provisória da liberdade econômica. É o tipo de efeito muito difícil de estimar e o trabalho da Secretaria de Política Econômica é apenas uma regressão feita a partir de uma possível melhora do Brasil em um índice internacional de liberdade econômica. O efeito da MP sobre a nota brasileira nos rankings usados é apenas inferência.
Existem outros números expressivos que agora encaram a realidade. Em abril, Guedes falou em arrecadar até R$ 1trilhão com privatizações - o que incluiria "peixes grandes" como Petrobras e os bancos públicos. Improvável politicamente e diante do ritmo atual: a meta neste ano é vender pouco menos de R$ 80 bilhões em ativo, mas parte significativa é uma combinação de concessões (o que não é uma privatização de empresa) e alienação de subsidiárias de estatais (o que não gera receita para o governo).
Foi dito na campanha que o déficit público público seria zerado neste ano, o que na prática se tornou uma briga para cumprir a meta de déficit de R$ 139 bilhões. Outras ideias ligadas a contas públicas são chegar a 100% de desvinculação do orçamento (hoje a vinculação é de 92%) e zerar a contribuição previdenciária (hoje de 20% para empregadores e até 11% para trabalhadores). Grandes números que estão nas mãos do Congresso.
É preciso deixar claro que o Ministério da Economia tem acertado no conceito geral de liberalizar o Brasil. Foi positivo acelerar o acordo comercial do Mercosul com a União Europeia e as medidas para facilitar a abertura de empresas reduzirão os custos para pequenos empresários. Também houve acerto na tramitação da reforma da Previdência, embora com concessões que no futuro precisarão ser reavaliadas. E as privatizações e concessões são condição necessária à volta do crescimento.
O ponto aqui é que números anunciados importam. Eles criam expectativas e cobranças políticas. É por isso, por exemplo, que bons bancos centrais são enxutos na comunicação. Quanto mais realistas as divulgações do governo, melhores serão os efeitos de antecipação pelo mercado.
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