As alterações na reforma do Imposto de Renda apresentadas pelo relator do projeto, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), trouxeram uma novidade para o debate, a redução da carga tributária. Em poucos dias, o governo passou de um projeto que poderia aumentar os impostos para outro que retira R$ 30 bilhões da carga. A mágica ainda está mal explicada.
Em traços rápidos, o relatório de Sabino não tira do texto os problemas mais importantes da proposta do governo. O limite para o desconto simplificado na declaração de IR vai onerar pessoas com renda anual entre R$ 40 mil e R$ 80 mil. Seria preferível uma correção menor da tabela à oneração de quem não consegue usar o benefício das deduções. Também continua lá a isenção para pagamentos de R$ 20 mil por mês em dividendos de pequenas empresas.
A preocupação do relator, em conjunto com a equipe econômica, foi lidar com a crítica de que o projeto original aumentaria os impostos sobre empresas. No fim, a proposta se tornou uma grande redução de carga tributária, parcialmente compensada pela redução de benefícios fiscais.
Aqui começa o que o governo deveria ter debatido melhor. O primeiro ponto é como se descobriu um espaço fiscal de R$ 27 bilhões em 2022 e R$ 30 bilhões em 2023. Seria interessante se o governo se comprometesse desde já a cortar algum gasto ou, pelo menos, a propor um orçamento abaixo do teto de gastos em 2022. As duas coisas são possíveis, já que a equipe econômica ainda precisa colocar na conta do orçamento do ano que vem a inflação mais alta de 2021.
No entanto, a forma como foi feita a compensação da menor arrecadação indica que a União não vai perder muita coisa, permitindo, por exemplo, que o governo continue pensando em um reajuste para o funcionalismo. Como o Imposto de Renda é repartido com estados e municípios, haverá uma redução de repasses calculada em R$ 27 bilhões. E a arrecadação extra prevista no relatório viria na maior parte de PIS/Cofins, sem repartição.
Em outras palavras, o governo abriria mão de R$ 60 bilhões ao ano de Imposto de Renda, mas compensaria sua parte com outros tributos não compartilhados com estados e municípios. O ajuste nos gastos federais poderá ser mínimo.
Outro ponto que deveria ser debatido é se, em caso de realmente haver um espaço fiscal de R$ 30 bilhões, como ele deveria ser usado. Seria melhor, por exemplo, aumentar os investimentos em infraestrutura? Ou seria melhor reduzir algum outro tipo de imposto? Deveríamos pensar em um novo programa social?
Conhecendo-se a baixa capacidade de execução do setor público no Brasil, seria melhor deixar de fora por enquanto a questão da infraestrutura. Na linha de reforço de programas sociais, o melhor caminho seria uma ação focada na primeira infância. Há propostas interessantes para que o Bolsa Família seja reconfigurado para ter foco maior em crianças, o que poderia ser complementado por programas de educação pré-escolar.
Outra possibilidade seria usar esse espaço fiscal para um estímulo econômico via redução de tributos. Aqui, o Imposto de Renda não é a única opção. Não é também a melhor. Seria melhor reduzir impostos que incidem sobre o consumo ou sobre a folha de pagamentos, áreas nas quais o Brasil tributa mais do que deveria. O governo poderia acabar com o IPI (como já aventou), que se tornaria um imposto sobre produtos com externalidades negativas, como tabaco e álcool. Ou poderia acabar com o salário-educação, uma contribuição que onera a folha de pagamentos e, como costuma acontecer no Brasil, está na Constituição.
Como o IR incide sobre o resultado final das empresas, ele não reduz diretamente o preço de um produto no mercado, nem o custo de produzi-lo. A redução do IR tem um efeito maior para acionistas e de forma secundária compartilhado com consumidores, funcionários e fornecedores. Ela não estimula a demanda imediata, por isso seu efeito multiplicador é menor do que um estímulo fiscal via gasto direto ou corte de imposto sobre consumo.
Em resumo, o governo poderia escolher não baixar impostos ou até aumentar a carga na reforma do IR - o que não seria em si um erro. Tudo depende do que é feito com o dinheiro. Acelerar o atingimento do equilíbrio fiscal, por exemplo, pode reduzir os juros de longo prazo, o que beneficia todo mundo. Não deveria ser uma hipótese descartada.
Seria interessante fazer esse debate sobre como lidar com uma boa margem fiscal se o governo quisesse assinar de verdade o checão de R$ 30 bilhões. Mas, do jeito que está o projeto, a caneta está nas mãos de prefeitos e governadores. Como diz o ministro Paulo Guedes, a reforma começa com a conta paga.
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