A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou na terça-feira (07) um projeto de lei que cria uma nova política de preços para os combustíveis. A proposta é que um fundo público seja formado com dinheiro proveniente de um novo imposto para, em seguida, ser usado para estabilizar o preço dos combustíveis.
O projeto é de autoria do senador do PT Rogério Carvalho e tem duas características marcantes de dezenas de tentativas fracassadas anteriores de se resolverem problemas complexos com a intervenção estatal: dinheiro público e fundos.
Uma outra proposta do gênero apareceu no discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, que há alguns meses vem sugerindo a criação de um fundo para a erradicação da miséria. A ideia, de forma resumida, é usar recursos de privatizações e da gestão do patrimônio público para abastecer um fundo com o objetivo de reduzir a pobreza.
As duas ideias são um sintoma de como temos dificuldade para resolver problemas sem uma grande mobilização de recursos públicos. Em alguns casos, esses recursos podem de fato ser parte da solução. Mas é preciso um dose grande de otimismo para acreditar que algo será equilibrado, erradicado ou simplesmente melhorado porque o governo colocou dinheiro do contribuinte numa caixinha.
A ironia da proposta de Guedes é que ele mesmo mandou para o Congresso em 2019 uma proposta para extinguir diversos fundos públicos que somam mais de R$ 200 bilhões. Os recursos seriam usados para abater a dívida pública.
Mesmo se a PEC fosse aprovada, o Brasil continuaria tendo um modelo de fundos operante. Eles servem para apaziguar as relações tributárias entre a União, estados e municípios, e para direcionar recursos a algumas regiões através órgãos como Sudene e Sudam - que são antes órgãos de distribuição de recursos políticos do que vetores de desenvolvimento.
É possível que muita gente pense no Fundeb, o Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação Básica, como um modelo de sucesso. Ele certamente teve o mérito de carimbar o dinheiro transferido para os municípios aplicarem na educação, mas não garantiu qualidade no serviço prestado pelo Estado. O fundo, sozinho, não ensina português e matemática.
No caso da erradicação da pobreza, um fundo poderia aumentar a disponibilidade de recursos disponíveis para esse fim. Mas isso é insuficiente para que haja ações eficientes - além da transferência pura e simples de dinheiro para famílias pobres que não precisa de fundo para ser feita. Possivelmente, haveria mais programas de desenvolvimento ineficientes, alguns casos de sucesso e pressão para o fundo aumentar ao longo do tempo. Mais ou menos como ocorreu com o Fundeb.
Além da dúvida sobre a eficiência de um fundo como caminho para acabar com a pobreza, é preciso levar em conta que os recursos aventados pelo ministro não existem. O patrimônio da União que realmente pode ser transformado em dinheiro em caixa é muito inferior aos trilhões que Guedes cita. Passados três anos de governo, não houve até agora nenhuma privatização significativa e direta de estatal, para ficar em um exemplo da dificuldade em se levantar o dinheiro.
Hoje, quando privatiza uma empresa, o governo abate a soma da dívida pública. Concessões também ajudam nesse controle do endividamento. A alternativa do fundo seria colocar talvez R$ 100 bilhões ou R$ 200 bilhões em uma conta no banco em um prazo de cinco a dez anos, em um chute mais realista do que a casa dos trilhões. Pagaria um ou dois anos do novo Auxílio Brasil que, até onde se sabe, não acabará com a pobreza.
Controlar a dívida pública tem um efeito mais vantajoso, que é aumentar o potencial de crescimento no longo prazo através de juros mais baixos. Guedes sabe disso e não é por acaso que mandou a PEC dos fundos para o Congresso.
Se não resolve a pobreza, seria um fundo capaz de controlar os preços dos combustíveis? A proposta que está no Senado tem mais chances de fracasso do que de sucesso, por várias razões. A começar pela origem dos recursos, um imposto sobre a exportação. Esse tipo de tributação cria a ilusão de que quem paga é o importador, mas na verdade o custo recai sobre a economia exportadora, que reduz o custo-benefício de quem investe.
Além de tornar menos vantajoso investir no Brasil, a instituição de um novo imposto sobre quem já opera no país reduz a confiança na estabilidade das regras do jogo. Afinal, uma empresa quando escolhe pagar milhões pelo direito de explorar uma área petrolífera leva em consideração a tributação já existente. O risco de mudança nas regras faz com que os lances pelas concessões sejam menores ou inexistentes.
Assim, um primeiro efeito da proposta do Senado pode ser uma redução nos investimentos, nos empregos e, no fim, nos impostos recolhidos na cadeia petrolífera. Teremos fundo, mas não teremos crescimento econômico.
O outro risco é que, em momentos de preço baixo, o fundo continuará sendo acionado (afinal, quem define o momento em que o preço da gasolina está baixo ou alto são os políticos), fazendo com que na prática ele vire um subsídio contínuo ao consumo de combustíveis fósseis. Subsídios distorcem preços e incentivos na economia, levando a uma combinação de menor competitividade e maior desperdício.
A solução para questões de preços como o caso dos combustíveis deveria ser voltada para ganhos de eficiência e competitividade. Em um mercado na prática monopolizado por uma estatal, adicionar um subsídio só tornará esse monopólio mais confortável. Em vez de criar um fundo, o Senado poderia rever a legislação que cria obstáculos, como restrições a importações e reservas de mercado das marcas distribuidoras.
Um defeito importante no debate sobre a gestão do dinheiro público é a necessidade de carimbar o dinheiro mesmo que não ainda não haja uma razão para isso. Se não existe uma solução melhor do que um fundo (e normalmente há), ele precisa pelo menos ter um objetivo concreto, dia para terminar e uma mensuração final do que foi feito. Nada disso existe nos dois exemplos do debate atual.
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