O economista Paulo Guedes, que é responsável pelo programa econômico do candidato Jair Bolsonaro (PSL), disse a investidores que quer propor um novo sistema de Imposto de Renda, com uma alíquota única de 20%. Aplicada para pessoas físicas, a ideia seria complementada pelo Imposto de Renda negativo, presente no programa bolsonarista.
O que Guedes propõe é uma experiência baseada no que o economista Milton Friedman defendia para a economia americana. Friedman, provavelmente o economista mais importante da segunda metade do século 20, era um defensor ferrenho de ideias liberais. Com seu sistema de imposto de alíquota única, ele provocava calafrios em quem via o sistema de tributos sobre a renda como uma forma de redistribuição de riqueza. Mas ele tinha razões para pensar além do sistema de alíquotas progressivas tradicional e sua análise se aplica ao Brasil de hoje.
A observação de Friedman era a de que o sistema tributário americano tinha tantas exceções e deduções que os mais ricos eram poupados, na prática, de pagar mais do que os mais pobres. Nos anos 60, as alíquotas nos EUA variavam de 14% a 70%, mas a alíquota média necessária para a mesma arrecadação de 19%. É daí que vem o número proposto por Paulo Guedes.
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A tese de Friedman era a de que, com uma alíquota única, os mais ricos não teriam incentivos para burlar o pagamento do imposto. Para ele, seria possível também reduzir o número de exceções e deduções, para não se criar uma vantagem indevida para quem tem renda mais alta, geralmente não advinda do trabalho. A proposta era complementada pelo imposto negativo, uma dedução padrão maior do que a praticada na época. Assim, quem ganhasse menos teria uma dedução proporcionalmente maior, podendo receber uma restituição também mais elevada.
Friedman não venceu esse debate nos EUA. Sua alíquota única é hoje aplicada em um número pequeno de países, nenhum deles uma grande economia. O sistema é politicamente pouco palatável porque é contraintuitivo. Como poderia ser justo um imposto igual para ricos e pobres? A resposta de Friedman estava na dedução padrão – hoje onipresente nas declarações de Imposto de Renda, inclusive no Brasil.
A questão a ser levantada agora é se uma ideia dos anos 60 teria validade para o Brasil de hoje. O diagnóstico de Friedman não seria diferente se ele visse os resultados da cobrança do IR por aqui. No início do ano, o pesquisador do Ipea Sergio Godetti fez um estudo com base em dados do pagamento do IR de 2016. Ele concluiu que a alíquota efetiva de imposto é crescente até uma renda média mensal de 40 salários mínimos. Depois desse ponto, ela passa a cair – a progressividade do imposto, portanto, não pega os super-ricos. A razão para isso é que os mais ricos têm uma fatia maior da renda vinda de dividendos, que não pagam IR, e outros investimentos isentos, como LCIs e LCAs, além de usarem mais deduções, especialmente com saúde.
O debate, portanto, é necessário, já que o sistema atual não é progressivo como se propõe a ser. A princípio, o sistema de alíquotas brasileiro precisa apenas fechar o buraco dos dividendos e impor mais limites a deduções para ser mais progressivo – proposta que está presente em algumas campanhas à Presidência. O efeito sobre os contribuintes de renda mais baixa seria nulo.
O que Guedes propõe é um caminho para uma política mais radical: o IR se tornaria com o tempo o condutor também de políticas sociais. A dedução padrão (que é um valor a ser deduzido por todos os cidadãos) teria de ser calculada de forma a criar uma restituição pra complementar a renda de quem ganha pouco. Acima de um certo patamar, a alíquota efetiva passaria a ser igual para todos.
É difícil saber qual modelo é melhor sem ver um cálculo concreto. Uma alíquota única, dependendo do sistema de deduções, pode aumentar o imposto efetivamente pago por pessoas com renda média-alta. Pode ser politicamente delicado, portanto. Há, na outra ponta, uma vantagem para o contribuinte: acaba o degrau entre faixas de renda que podem aumentar o imposto devido com variações muito pequenas no salário.
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