A confusão fiscal provocada pelos projetos enviados pelo governo ao Congresso e a aceleração da inflação neste segundo semestre já ameaçam tirar um pedaço do crescimento econômico de 2022. Economistas do mercado financeiro estão revisando para baixo a expectativa para o PIB do ano que vem porque entendem que os juros ficarão mais altos por mais tempo.
Segundo o Boletim Focus do Banco Central desta semana, o mercado ainda trabalha com uma previsão de crescimento acima de 2% - 2,04%, para ser mais preciso - em 2022. Esse número vai cair nas próximas semanas conforme as revisões feitas pelos bancos chegarem ao BC.
O banco Safra, por exemplo, acaba de reduzir sua projeção de crescimento do PIB para 2022 de 1,8% para 1,4%. O Itaú revisou seu número de 2% para 1,5%. A MB Associados projeta uma alta de 1,4%. Com mais revisões desse tipo, a Focus em duas ou três semanas vai refletir melhor o impacto do cenário atual sobre as perspectivas para o ano que vem.
Pelo menos três fatores estão confluindo para uma performance mais modesta da economia na virada de 2021 para 2022. O primeiro é que a inflação está muito mais alta do que o previsto. Aparentemente, o próprio Banco Central não dimensionou corretamente o impacto do câmbio desvalorizado e da alta das commodities sobre o IPCA.
Como em ciclos passados, altas inflacionárias que parecem transitórias são mais complexas no Brasil do que em economias maduras por causa da forte indexação que ainda existe. Foi assim no ciclo eleitoral de 2002, quando o dólar disparou e a expectativa de inflação só foi controlada com um choque de juros no início de 2003. E a inflação, neste momento, continua pressionada pelo câmbio e deve em breve receber uma pressão adicional do setor de serviços.
O quadro fiscal não melhorou ao longo deste ano, como vem dizendo o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na verdade, ficou claro agora para o mercado que houve uma dose elevada de autoengano com a aprovação do Orçamento no início do ano. O governo vem costurando várias ideias que pioram o quadro, com destaque para o tripé que tem a reforma do Imposto de Renda, a PEC dos Precatórios e o novo Bolsa Família.
Para resumir, diante de um "meteoro" fiscal que é o volume recorde de precatórios a serem pagos no ano que vem, o governo tenta criar um puxadinho no teto de gastos. Ao mesmo tempo, quer aumentar gastos sociais com seu novo Auxílio Brasil, que seria bancado pela redução de arrecadação prevista no projeto do IR.
Não está errado. O governo quer bancar o programa social com redução de imposto. Para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, que exige que um novo gasto seja criado com uma nova origem de recursos, o governo atrelou o novo programa fiscal à cobrança de IR sobre dividendos. Mas essa tributação, na prática, não chega a cobrir todos os descontos propostos na tributação do IR nas empresas.
É verdade que Guedes vem dizendo que a proposta para o IR é neutra, algo difícil de comprovar de forma independente diante da falta de dados fornecidos pela Economia. Mas, ao aceitar parar a tramitação do projeto para negociar com estados e município, o governo está assumindo que, sim, a arrecadação vai cair.
Para completar a história, o câmbio continua pressionado. Além de haver as questões internas de inflação alta, desemprego e quadro fiscal incerto, há a aproximação da política monetária nos Estados Unidos. O Fed, banco central americano, indica que logo terá de retirar estímulos e, na sequência, subir juros. Ainda não há consenso sobre a dose da alta dos juros, mas a inflação por lá está desconfortável e um pacote trilionário de estímulo pode superaquecer a economia.
Correndo por fora, há ainda a crise energética, da qual o governo não quer falar de jeito nenhum. Para especialistas, o país está assumindo riscos não desprezíveis de ter apagões neste ano e de entrar 2022 em situação ainda delicada. Essa é uma incerteza que atinge os investimentos e alimenta a inflação. A conta vai continuar chegando na forma de bandeira vermelha no ano que vem.
Os relatórios dos bancos falam em juros no Brasil entre 7,5% e 8%. Pode ser otimismo, já que o mercado de títulos está precificando algo entre 9% e 10%. A diferença pode ser só o estresse do momento, mas pode também traduzir uma visão menos otimista sobre a convergência da inflação para a meta.
Um crescimento de 1,5% é o retorno do Brasil ao seu normal pós recessão de 2014-2016. Parece que não aprendemos a lição da década perdida que se encerrou no ano passado.
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