| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
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Não é sempre que podemos dizer que um indicador do Brasil chegou ao primeiro mundo. Neste momento, a inflação em 12 meses caiu abaixo de 2% (o IPCA-15 divulgado nesta terça está em 1,96%). Olhando de perto, a conquista tem um sabor amargo.

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A queda da inflação, para começar, é resultado do que pode se tornar a maior recessão da história, provocada pelo coronavírus. A doença causou um choque duplo, de oferta e demanda (fábricas paradas, pessoas em casa), derrubando preços de commodities e o mercado de trabalho.

Alguém pode argumentar que, na crise, talvez seja interessante pelo menos aproveitar a oportunidade e manter a inflação de primeiro mundo. Esse caminho, no entanto, não seria trilhado sem o custo de transição normal de um nível de inflação para outro. Qual o custo? Imediatamente, isso imporia um limite à atuação do Banco Central, que busca o caminho para estimular a economia. No longo prazo, aumentaria o custo fiscal das políticas de apoio criadas pela equipe econômica.

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Buscar uma inflação mais alta também não é um caminho simples. A meta para este ano é de 4% e, mesmo com as seguidas reduções nos juros, o mercado trabalha com um percentual abaixo de 2%. Para o ano que vem, a meta é de 3,75% e as projeções giram em torno de 3%. Ou seja, mesmo sabendo que o BC está disposto a chegar o mais perto possível do centro da meta, os agentes de marcado não veem isso acontecendo antes de 2022, quando a meta será de 3,5%.

Os sinais do BC sobre o caminho para chegar mais perto da meta indicam que o cenário não está firme o suficiente para algumas decisões. A primeira interpretação do resultado da última reunião do Copom foi a de que haverá só mais um corte, de 0,75 ponto percentual, levando a Selic para 2,25%.

O BC vem demonstrando preocupação com os efeitos negativos dos cortes na Selic. O principal deles é o reflexo no risco-país e no câmbio. Se a depreciação do real se acentuar por um período longo, isso pode colocar em risco empresas com dívidas em dólar, como expressou recentemente o diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk.

Por enquanto, esse não é um problema e a melhora no quadro político no início desta semana indica que o câmbio tem espaço para se acalmar. Mas há outros efeitos colaterais de juros muito baixos, como a saída de capital de bancos brasileiros, o que pode ter o efeito contrário ao desejado - o crédito cairia, em vez de subir.

Por isso, é natural que o BC tenha cuidado conforme chega mais perto do juro real zero. Não temos como saber se seus efeitos serão como em países desenvolvidos ou se haverá um custo não previsto. Ou seja, o corte de juros adicional pode ser insuficiente como medida de estímulo, mas o BC não sabe exatamente o que vai acontecer se for mais longe.

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Ao mesmo tempo, o BC terá de avaliar o uso de outras medidas para dar sustentação à economia enquanto ela trabalha no ritmo provocado pelo coronavírus. Para Kanczuk, não é o caso de o BC acionar o quantitative easing, a compra de títulos no mercado, para baixar a curva de juros. Ele ressalta que há um risco elevado de haver um reflexo no câmbio se o BC optar por esse instrumento.

Uma mudança nessa avaliação pode ocorrer caso a inflação, depois de mais uma redução nos juros, não sair do lugar e, ao mesmo tempo, o mercado se acalmar. O BC teria então de discutir o custo-benefício entre reduzir mais a Selic, lançar uma experiência de QE ou fazer mais medidas alternativas, como a redução do compulsório.

A melhora nos mercados no início desta semana pode indicar que o BC não precisará entrar em território novo, mantendo juros levemente positivos. Os preços dos ativos têm melhorado e a inflação subirá um pouco por causa de reajustes em preços de combustíveis. Essa melhora, no entanto, não está baseada ainda em fatos reais - não se sabe qual o nível da atividade na retomada após a primeira onda do coronavírus, muito menos quando haverá uma vacina disponível.

Saberemos melhor nas próximas semanas se o BC está com a razão ao esperar mais para correr riscos.