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Eleições podem acabar com a renda fixa e o Tesouro Direto. E isso é bom

Conforme as equipes econômicas dos pré-candidatos à Presidência vão se apresentando, fica claro que haverá um argumento liberal forte em algumas campanhas: o de que o governo tem de controlar sua dívida, privatizando empresas se for necessário. Na última semana, o economista Paulo Guedes, que vem aconselhando o deputado federal Jair Bolsonaro, disse que quer privatizar tudo para “zerar” a dívida. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi na mesma toada e disse que é favorável à privatização da Petrobras. Estão na mesma linha o banqueiro João Amoêdo e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Claro que essas colocações precisam ser vistas com algum ceticismo. Não é fácil vender a Petrobras, quem dirá todas as estatais. E também não é viável zerar a dívida com isso, como bem mostrou o editor Fernando Jasper em um texto na Gazeta do Povo. Mas o que importa é que essa postura de defesa de privatizações e ajuste fiscal pode no longo prazo reduzir o endividamento público.

Qual a consequência? Além de baixar os juros, um programa muito forte de redução da dívida vai expulsar dinheiro da renda fixa e do Tesouro Direto. Imagine que o governo consiga realmente superávits gordos o suficiente para pagar parte da dívida interna. Isso faria com que ele tivesse de retirar títulos públicos do mercado, fazendo com que o dinheiro “solto” procurasse outros destinos. Bolsa, novos negócios produtivos, títulos privados e assim por diante seriam a alternativa.

É óbvio que se fala aqui de um esforço fiscal descomunal. O déficit fiscal brasileiro é perto de 6% do PIB, contando juros e déficit em gastos correntes. Um governo com a intenção de reduzir rapidamente a dívida teria de reformar a Previdência com regras ainda mais rígidas do que da reforma enterrada neste ano, fazer uma grande reforma do funcionalismo e vender ativos (podem ser estatais, campos de petróleo, outras concessões e assim por diante).

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Para traduzir em outras palavras, o governo teria de fazer um grande esforço para parar de depender da poupança de outros setores e passar a ser um poupador ele mesmo. E nisso, quem quiser guardar dinheiro terá de procurar outro destino no lugar dos superseguros títulos públicos.

Isso não significa que o governo deva sempre ser um poupador líquido. Na verdade, na maior parte do tempo e na maior parte dos países, o Estado é levemente deficitário porque é também um investidor em bens que são comuns a todos, como escolas, hospitais e projetos de infraestrutura que não podem ser concedidos. Esse déficit vale a pena quando o investimento melhora a produtividade do país. Há momentos, no entanto, em que o Estado se torna um consumidor inútil de poupança. No caso brasileiro, o governo no ano passado fez seu menor investimento recente, em torno de 1% do PIB. Lembrando: são 6% do PIB em déficit para 1% do PIB em investimentos, muitos deles duvidosos.

O histórico recente do planejamento estatal brasileiro é um argumento e tanto a favor de um choque fiscal. Neste momento, não sabemos o que fazer com algumas das maiores obras da história do Brasil, a ferrovia Norte-Sul e a transposição do Rio São Francisco. Temos a obra faraônica de uma usina nuclear parada. Sem contar dezenas de UPAs e creches de um plano megalomaníaco de atendimento à população que não saíram do papel. Ao mesmo tempo em que pequenos empresários pagam 40% de juros ao ano para ter capital de giro.

O superávit fiscal não deve ser visto como uma política estanque porque há momentos em que o Estado precisará ser acionado para gastar. Isso acontece em grandes crises financeiras, em que o pânico tira o ânimo de investidores privados, armadilhas de liquidez, como a vivida pelo Japão (onde a deflação desestimula o crescimento), e em momentos de re-equilíbrio econômico regional ou global. Há um caso interessante em curso na Europa, onde os superávits fiscais da Alemanha se tornaram um problema: existem demandas internas que o governo poderia atender, ao mesmo tempo em que um gasto maior ajudaria a equilibrar a economia do Euro.

No Brasil, a questão é que seria muito difícil colocar em prática uma política de superávit fiscal para redução imediata da dívida. O esforço seria grande demais, exigiria reformas muito além do que aquelas que o Congresso não quer votar e poderia levar a uma nova frustração. A realidade é que mesmo uma gestão muito liberal teria de se contentar com certo gradualismo, lutando para recuperar o equilíbrio da dívida para, em seguida, permitir que ela cresça menos do que o PIB durante um período longo o suficiente para que ela volte para os 50% do PIB de alguns anos atrás (hoje ela está em 75% do PIB).

O efeito prático do gradualismo é muito parecido com o sonhado choque fiscal que alguns economistas de linha, digamos, ultraliberal defendem. Os juros cairiam antecipando que o dinheiro novo gerado pelo crescimento econômico teria de buscar destino melhor do que os títulos públicos. Independentemente de o ajuste ser um choque ou gradual, ele certamente aumentaria o investimento, a produtividade e o emprego no país.

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