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Lula fala em falta de provas, mas seu problema é outro

Desde que começou a se defender no caso do tríplex, o ex-presidente Lula construiu uma narrativa para o público que combina a perseguição feita pelo juiz Sergio Moro e a falta de provas no processo. Esse é o discurso público, mas ele sabe que a questão do processo é outra: como não cumprir a pena. Infelizmente para o ex-presidente, nenhuma medida por enquanto evitou que ele fosse preso.

Para o público, Lula e seus defensores insistem que não há provas no processo que levou à sua prisão. O tríplex no Guarujá, classificado por Lula como um “apartamento Minha Casa, Minha Vida” (apesar dos três andares, elevador, bons móveis e piscina), não seria seu e sim da construtora OAS. A comprovação disso seria o fato de ele não estar em seu nome. Não havendo registro em cartório, não há posse.

O problema é que a Justiça não engoliu essa desculpa. As provas apresentadas pelo Ministério Público Federal (infelizmente para a encenação da defesa de Lula, não foi Moro que pediu sua prisão) convenceram quatro juízes, sem nenhuma divergência, de que o apartamento estava reservado ao ex-presidente e fazia parte de uma propina negociada entre a construtora OAS e o PT. Essas provas não vão ser analisadas de novo pela Justiça.

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Para quem ainda não entendeu que provas são essas, a sentença do juiz Sérgio Moro (que você pode ler aqui) as enumera de forma que fica bem fácil de entender. A OAS fazia parte de um cartel que ganhava licitações na Petrobras em troca de propinas pagas a ex-diretores da estatal e partidos políticos. O dinheiro irrigou campanhas, contas bancárias e pagou mimos aos envolvidos. Lula era quem indicava os diretores da estatal e sabia do esquema (que, afinal, foi crucial para a existência de seu partido). Em determinado momento, a OAS assumiu uma obra que havia sido iniciada pela Bancoop (uma cooperativa), na qual havia um apartamento reservado a Lula. A construtora topou terminar a obra e entregar o apartamento reformado. E o imóvel não é o que o ex-presidente havia inicialmente comprado, um apartamento simples, e sim um tríplex. Essa unidade foi reformada a pedido da ex-primeira-dama, Marisa Letícia. Há depoimentos de ex-executivos da Petrobras, da OAS e do condomínio, documentos e mensagens que corroboram essa história. Foram R$ 2,2 milhões gastos pela OAS nessa unidade, que nunca foi colocada à venda.

Lula e seus apoiadores vão continuar falando na falta de provas porque é a narrativa pública escolhida para que ele se torne um preso político – e isso vai funcionar para algumas pessoas. Mas na prática sua intenção sempre foi outra: encontrar uma forma de não ser punido. Foi por isso que a ex-presidente Dilma Rousseff, semanas antes do impeachment, em março de 2016, quis nomear Lula ministro da Casa Civil. Na época, Lula acabara de passar por uma condução coercitiva para prestar depoimento à Polícia Federal para falar sobre o tríplex. Ele estava acuado por rumores de que em questão de dias Moro decretaria sua prisão preventiva.

A prisão não veio, mas Lula de fato tinha razão para estar preocupado. Suas conversas estavam sendo monitoradas pela Justiça – inclusive um bate-papo com a ex-presidente Dilma na qual ela avisa que vai mandar um documento que ele poderia apresentar em caso de necessidade. Era o termo de posse como ministro que lhe daria foro privilegiado. Ele estaria, assim, longe das mãos de Moro. O juiz decidiu arriscar tudo na divulgação do áudio. Apesar da polêmica da decisão, o juiz conseguiu que a posse de Lula fosse evitada pelo STF. A ação continuou na primeira instância.

Não havia provas suficientes para a prisão preventiva em 2016. Elas vieram só no ano seguinte, quando o depoimento de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS e amigo pessoal de Lula, explicou o acordo sobre o tríplex em detalhe. Pinheiro era réu na ação e também foi condenado, frise-se. Não foi uma delação, tão criticada por réus na Lava Jato. A partir de então, o discurso do ex-presidente se apoiou no fato de não haver papel assinado. Foi uma das primeiras coisas que ele disse a Moro em seu depoimento, em 2017.

A partir do depoimento de Léo Pinheiro, as chances de Lula ficaram mais escassas. Ele não tinha como ganhar foro, como em 2016, e não escaparia da sentença condenatória. Teria pouco tempo para recorrer ao TRF-4, onde ainda tinha esperança de obter um placar que não fosse unânime, o que abriria espaço para mais recursos. Isso não aconteceu e a pressão se voltou para o STF.

Foi esse embate no Supremo que assistimos nos últimos dias. Faz alguns meses que o ministro Gilmar Mendes afirmou publicamente que mudou de opinião sobre a prisão após condenação em segunda instância, o que acendeu o que é hoje a maior esperança da defesa do ex-presidente. No julgamento de seu habeas corpus, na última semana, Lula saiu derrotado porque não era o mérito da prisão que estava em jogo. Se fosse isso, teria saído vitorioso, como mostrou o voto da ministra Rosa Weber. A pressão sobre o Supremo para que o tema volte à pauta continua.

A contradição do discurso de Lula é que, mesmo que seja solto por uma mudança de posição do STF, não são as provas no seu processo que serão avaliadas. Ele só terá a oportunidade de protelar a prisão com os tantos recursos e detalhes do processo penal brasileiro. Sua esperança de liberdade, portanto, não se pauta por sua declaração de inocência, mas nas deformações da Justiça brasileira.

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