Alexandria Ocasio-Cortez faz discurso nos EUA: esquerda apela à MMT. Scott Eisen/Getty Images/AFP | Foto:

MMT é o acrônimo para modern monetary theory, ou teoria monetária moderna. O termo vem aparecendo nos discursos da esquerda americana há algum tempo, mas ganhou notoriedade quando a congressista democrata Alexandra Ocasio-Cortez apelou para a MMT como a teoria que possibilitaria pagar por políticas públicas para lá de dispendiosas, como seu “green new deal”, ideia de transição acelerada para uma economia de baixo carbono.

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Em resumo, o MMT diz que um Estado que gasta a moeda que ele mesmo emite poderia monetizar suas despesas sem muitas restrições. A moeda seria apenas uma unidade de conta infinita, já que o governo sempre pode imprimir mais dinheiro para pagar suas dívidas ou suas contas. É tudo que quem acredita em um Estado grande de verdade deseja, uma espécie de sinal verde para gastos livres de coisas comezinhas como mercados de títulos públicos, avaliação de dívida, ratings, opiniões do Fundo Monetário Internacional e afins.

A ideia é tão controversa que até economistas à esquerda no debate americano bateram pesado em seus fundamentos. O Nobel Paul Krugman, um dos críticos mais ferozes das políticas econômicas republicanas, comparou o MMT ao “Calvinball”, o jogo do personagem de tirinhas Calvin no qual a única regra é não repetir a regra anterior. A lista de críticos é engrossada por vários outros laureados com o Nobel e os mais respeitados macroeconomistas das grandes universidades americanas.

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Como teoria, o MMT não é a coisa mais moderna do mundo. Suas origens estão no início do século 20, em trabalhos sobre a natureza do dinheiro, e sua fundação é uma leitura alternativa à teoria geral de Maynard Keynes que ganhou adeptos nos anos 90. Na esteira da crise de 2008, a MMT passou a ser uma linha alternativa de explicação para o fato de a inflação não ter voltado mesmo com taxas de juros muito baixas.

A questão dos juros é central no entendimento da MMT. Bancos Centrais usam a taxa de juros como instrumento de ajuste em ciclos econômicos. Ela cai quando a economia desacelera, estimulando investimentos e empréstimos. Sobe quando a economia aquece, retirando o estímulo. A MMT prega um caminho alternativo: o governo controlaria a demanda com a combinação de emissão de moeda e impostos. Imprime dinheiro para gastar quando há ociosidade e aumenta impostos quando a economia apresenta sinais de aquecimento.

Não é por acaso que a teoria seduziu a esquerda. Nenhuma proposta macroeconômica dá mais poder ao Estado do que uma que permite a ele gastar como quiser para realizar o sonho do pleno emprego, colocando em prática outras prioridades que o governo quiser. Quer um New Deal verde? Você imprime dinheiro e paga. Escolas escandinavas? Só pedir para a Casa da Moeda. Estradas? Pegue dinheiro no cofre.

A MMT aplicada ao Brasil significaria a redução drástica dos juros e um chute no balde da dívida pública. O economista André Lara Resende vem escrevendo artigos sobre a necessidade de o país reduzir os juros abaixo do crescimento do PIB para fechar o “hiato” de crescimento (aproveitando a capacidade ociosa na economia). Ele entende, porém, que o Estado precisa respeitar alguns limites para o gasto.

O problema central dessa abordagem é que ela coloca ênfase em um poder que o Estado não tem: o de coordenar a atividade econômica a ponto de conseguir controlá-la com emissão de moeda. O governo teria de entender onde há ociosidade para o dinheiro não provocar inflação. O que acontece depois que o dinheiro criado pelo governo entra na economia foge de seu controle, o que torna a tarefa quase impossível. Experiências passadas de gastos sem controle invariavelmente levaram a algum tipo de controle de preços.

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Uma saída pregada pela MMT é que o Estado teria de ativamente tirar barreiras para o pleno emprego. Quebrar monopólios e taxar mais pesadamente firmas “do lado errado da política pública” seria uma forma de liberar recursos para dar conta da demanda criada pelo dinheiro público. No longo prazo, provavelmente estaríamos criando governos com mão pesada na economia, controles de preços e projetos furados para aumentar a produção na busca incessante do crescimento econômico.

Mesmo o monetarismo tradicional consegue explicar situações em que o aumento da base monetária não causa inflação, como ocorreu no pós-crise. Um dos pontos é que a crise reduziu a velocidade de circulação da moeda. Além disso, há um “vazamento” de dinheiro dos países ricos para emergentes onde há maior capacidade de absorção da demanda (em especial Índia e China). Isso não significa que a dívida pública dos países desenvolvidos nunca vai se tornar um problema.

Apesar de todas as limitações da MMT, ela tem chances no mundo político. É influente na campanha do democrata Bernie Sanders e não podemos considerá-la como uma impossibilidade política. Mas, como diz a The Economist em artigo sobre o assunto, se fosse aplicada, a MMT encontraria seu fracasso como é comum na macroeconomia.