A campanha de Fernando Haddad (PT) deu ênfase à sua pauta econômica no debate do segundo turno. O candidato tem uma linha religiosa na economia: acredita na bênção do pré-sal e no milagre da multiplicação do dinheiro público. É, em resumo, uma reprodução de tudo o que deu errado no governo Dilma Rousseff: “retomar” poços de petróleo, baixar o preço do gás de cozinha para R$ 49, aumentar o salário mínimo e o Bolsa Família acima da inflação.
Haddad disse em seu programa que considera o pré-sal uma “bênção de Deus”. É uma simplificação inocente do que significa um monte de petróleo enterrado a 2 mil metros de profundidade. Lá, o óleo não é bênção nem maldição, não vale nada. O que o país pode celebrar é a existência de recursos para retirar o petróleo dali e transformá-lo em algo além de um líquido preto e pegajoso. E depois disso pode ser bênção ou maldição.
Existe uma linha extensa de pesquisa sobre a “maldição do petróleo”, condição na qual a exploração de um recurso natural provoca efeitos colaterais econômicos negativos, como corrupção, concentração produtiva nesse único setor e a dependência de produtos importados com os lucros dessa atividade econômica. Essa maldição está muito associada a regimes autocráticos e economias pouco diversificadas.
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O governo Lula, quando soube da descoberta do pré-sal, enxergou ali uma espécie de bilhete premiado. Com a desculpa de proteger essa riqueza nacional, ele aprovou uma nova regulamentação para o setor, impondo a Petrobras como operadora única de todos os campos. Além disso, aumentou o custo operacional com o sistema de partilha, no qual o governo recebe óleo como se fosse sócio dos poços. No governo Temer, o Congresso retirou a obrigação da Petrobras. Não se mexeu na partilha, que tem um lado negativo pouco abordado: obriga o governo a ter outra estatal para vender o óleo no mercado.
O objetivo dessa regulamentação, soube-se depois, não era proteger o país da maldição, mas sim concentrar poder na mão do Estado, seja na Petrobras, seja na nova estatal (a PPSA). É justamente o jeito de pensar dos regimes autocráticos. Para dar um ar liberal, o governo Lula criou ainda um fundo soberano imitando a iniciativa da Noruega, onde os lucros do petróleo foram investidos para as gerações futuras. O detalhe é que nunca houve lucro verdadeiro, já que o governo tem déficits fiscais. O fundo soberano está zerado.
Por isso, o discurso de retomar o petróleo para o povo soa como se o próprio Lula estivesse falando – do mesmo jeito que ele falou entre 2007 e 2010. No pacote luliano, entraram a imposição de conteúdo local na produção de equipamentos e plataformas, novas refinarias, empresa formada por bancos e fundos de pensão para fazer sondas – todas medidas que reduziram a competição e aumentaram a chance de corrupção. A maldição do petróleo estava justamente em quem o vendia como bênção. Há razões para se acreditar que a tal retomada signifique tudo isso.
No desespero do segundo turno, Haddad trouxe outro fantasma do período Dilma Rousseff na forma de controle de preços. Ele garante que o botijão gás de cozinha vai custar até R$ 49. É o tabelamento combinado com subsídios que fez com que tivéssemos dois efeitos colaterais no passado: prejuízos no setor produtivo e aumento do déficit público. Foi assim com a gasolina e com a energia elétrica. Agora, com o gás, se a Petrobras pagar a conta sozinha, o contribuinte sofre com uma receita menor com dividendos. Se o subsídio for direto, paga com impostos.
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É claro que diante dos mais de R$ 13 bilhões que o governo Temer deu em subsídios para o diesel do bolsa-caminhoneiro, só para ficar em um exemplo recente, uma política para o gás de cozinha não parece má ideia. Afinal, o botijão de 13 quilos é insumo essencial para o preparo de alimentos da população mais pobre. Justificar uma política ruim com outra pior, no entanto, não é o melhor a fazer. É preferível transferir diretamente recursos para quem não tem como comprar gás para cozinhar. Coisa que o Brasil, aliás, já faz.
No passado, o governo Fernando Henrique Cardoso criou o Vale Gás, um subsídio direto para pessoas de baixa renda comprarem o combustível. Ele foi absorvido, juntamente com o Bolsa Escola, pelo Bolsa Família. Ou seja, o governo já transfere recursos diretamente para a compra de gás dentro do Bolsa Família. A ideia de Haddad só cria um segundo gasto público para o mesmo problema.
A contradição do subsídio do gás é ainda maior levando-se em conta que outra promessa de Haddad é dar um aumento de 20% no Bolsa Família, já que isso seria suficiente para resolver a questão do preço do combustível. E aqui temos mais um problema: o oportunismo que ignora a matemática. O Bolsa Família foi reajustado acima da inflação neste ano, e em 2016 teve uma alta de 12,5%. Diante da situação do déficit público, a promessa de aumento é populismo eleitoral puro que custaria quase R$ 6 bilhões por ano.
Há uma forma melhor de debater o tema da transferência de renda proposta pelo Banco Mundial. O Brasil tem programas ruins, como o abono salarial, o salário família e o BPC, que poderiam ser eliminados ou reduzidos porque não conseguem atingir os mais pobres com a mesma eficiência do Bolsa Família. Uma revisão desses gastos poderia levar a uma economia (positiva para conter o déficit) e transferir mais recursos diretamente aos mais necessitados (com alguma mudança, quem sabe, no apoio às famílias e contrapartidas exigidas).
Para finalizar, Haddad promete no primeiro dia de mandato garantir o aumento do salário mínimo acima da inflação. A regra atual, em que o reajuste é feito com a somatória da inflação com o crescimento do PIB vence em janeiro. Seria um bom momento para se discutir a valorização e aplicação do salário mínimo. Levada de forma indefinida, essa regra estrangula as contas públicas porque o salário baliza a maior parte das aposentadorias e benefícios pagos pela União. Aposentadorias rurais e BPC, especialmente, precisam ser rediscutidos e um caminho seria a desvinculação do mínimo – a proposta de reforma da Previdência que está sendo elaborada por iniciativa do economista Armínio Fraga e que tem na equipe o especialista Paulo Tafner traz a ideia de vincular esses benefícios a um percentual do mínimo (70%).
Haddad não acredita apenas na bênção divina do pré-sal, mas também em um milagre que vai ajudá-lo a pagar mais Bolsa Família, subsídios e aposentadorias sem qualquer tipo de revisão de gastos ou reforma. Somando-se tantos gastos extras, o resultado será mais déficit público, que levará a inflação e juros mais altos. Não é por acaso que Haddad não se aproximou de gente “de mercado” neste segundo turno. Ninguém com bom senso econômico apoiaria essa pauta.
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