A proposta de reorganização do Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, traz uma semelhança importante com o plano ambicioso de gastos públicos que está sendo montado pelo governo de Joe Biden nos Estados Unidos. Nos dois casos, há um foco novo na primeira infância que, se não soluciona completamente a concentração da pobreza nas crianças, pelo menos melhora as perspectivas para as novas gerações.
A falta de direcionamento de recursos para a primeira infância tem uma explicação política simples. Crianças não votam, não têm lobbies e os efeitos da falta de apoio só aparecem no longo prazo. Mas já existem provas suficientes de que o investimento compensa.
Pesquisas sobre o tema mostram que fatores como alimentação, estímulos cognitivos e acesso a cuidados básicos de saúde nos primeiros anos de vida criam as condições para uma vida mais produtiva. Falhas nesses cuidados são difíceis de serem recuperados.
O economista James Heckman, um dos grandes estudiosos no tema, defende que o investimento comece já durante a gravidez e se estenda até os cinco ou seis anos de vida. Nas contas de Heckman feitas para a realidade americana, cada dólar investido nesta fase da infância traz um retorno de 14 centavos por ano de vida. Em outras palavras, é um investimento com retorno de 14% ao ano para a sociedade.
O plano de Biden, claro, é muito mais ambicioso do que o Auxílio Brasil. A proposta americana inclui ajuda para as família pobres pagarem creches, outros US$ 200 bilhões para o ensino pré-escolar e mais US$ 25 bilhões para a alimentação infantil - além da construção de novos benefícios para os pais. Lá, a proposta é pagar a conta com mais imposto de renda sobre os ricos.
Mais modesto, o Auxílio Brasil tem pontos em comum com o movimento que está sendo feito nos EUA. A proposta traz um benefício para o pagamento de creches, auxílio específico para crianças com até 36 meses (prazo inferior do que o defendido por especialistas) e incentivos baseados na meritocracia (que vão custar muito pouco e valorizar os jovens mais dedicados).
O governo, como costuma acontecer em suas propostas, não traz detalhes de valores, nem explica como vão funcionar os novos auxílios. Os vouchers para creches, por exemplo, dependem de uma implementação mais complexa do que usar o sistema já criado pelo Bolsa Família para o pagamento de benefícios em dinheiro.
Os detalhes sobre valores e número de vagas em creches importam. Um estudo feito no ano passado pelos pesquisadores do Insper Naercio Menezes-Filho e Bruno Komatsu fez diversas simulações sobre o efeito de um benefício direcionado à primeira infância e mostra que seriam necessários R$ 31 bilhões ao ano para a concessão de um benefício de R$ 400 por mês para famílias com crianças de até 6 anos de idade e já inscritas no Bolsa Família.
Idealmente, porém, um plano para o enfrentamento da pobreza na infância deveria mirar um pouco mais alto. Atualmente, segundo cálculo dos economistas, 24,5% das famílias com crianças até 6 anos estão na faixa da pobreza, contra 12,8% na população em geral. O benefício de R$ 400 para quem está no Bolsa Família reduziria a proporção de famílias pobres com crianças para 19%, com um custo de R$ 31 bilhões. Para um avanço maior, seria necessário um auxílio mais amplo - por criança e não por família - a um custo maior.
O estudo simula uma reconfiguração do Bolsa Família na qual são retiradas do benefício as famílias que não se enquadram no programa. Nesse caso, o benefício adicional de R$ 400 poderia levar a pobreza entre famílias com crianças para 12% e pobreza na população em geral para 10%, a um custo total de R$ 53 bilhões. Seriam mais de 5 milhões de crianças atendidas.
Na prática, a revisão de benefícios não é simples de ser feita e, além disso, o governo pretende incluir outros auxílios no programa, como para pequenos produtores rurais e para quem se recoloca no mercado de trabalho.
Dessa forma, podemos dizer que acrescentar R$ 20 bilhões (que é o valor aventado pelo governo) ao sistema de apoio a famílias pobres com crianças fará muita diferença, mas ainda será insuficiente para equiparar a renda das famílias pobres com crianças à da população em geral. Isso sem falar na necessidade de investimento em pré-escolas, atendimento médico, psicológico e social que precisam complementar o aumento na renda.
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