A aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno no Senado teve um recado para o ministro da Economia, Paulo Guedes. Os senadores rejeitaram mudar regras na concessão do abono salarial, o que reduziu em R$ 76 bilhões a economia esperada com a reforma em dez anos. Esse é um sinal de que o governo terá de ralar muito no Congresso para conseguir "quebrar o piso", como Guedes tem falado.
O abono salarial não é um item previdenciário e é até justificável o Senado escolher retirar o tema da reforma. Seu custo de R$ 16,6 bilhões por ano não faz parte da Previdência, e sim do sistema de apoio ao trabalhador ancorado no FAT. O tema entrou na reforma como um "contrabando" que garantia uma economia extra.
Apesar desse detalhe, há bons motivos para se endurecerem as regras ou até acabar com abono. Ele é um benefício reservado a trabalhadores formais e funciona como um subsídio a salários baixos. Não é, portanto, um programa social bem direcionado, nem incentiva algum comportamento positivo no mercado. É mais um anacronismo brasileiro.
Ao não aprovar mudanças no abono, o Senado indica ao ministro Paulo Guedes que não está disposto a passar com facilidade reformas além do acordado dentro do debate da Previdência. Os senadores perdem a oportunidade de mexer em um benefício que em algum momento terá de ser reavaliado dado o cenário fiscal que o Brasil atravessa.
Suspender totalmente o pagamento do abono, aliás, é uma das medidas que fazem parte dos estudos de Guedes para "quebrar o piso" do gasto público. Esse ponto está previsto na PEC da Regra de Ouro, que, entre outras medidas, também permitiria a redução nas horas trabalhadas pelo funcionalismo, com redução proporcional dos salários.
A equipe econômica também pretende mandar ao Congresso medidas para desindexar e desvincular o orçamento federal. Uma das possibilidade é desvincular benefícios hoje corrigidos pelo salário mínimo, algo possivelmente mais impopular do que segurar o abono. Reduzir mecanismos que fazem o orçamento crescer por inércia é um caminho que precisará ser percorrido pelo Congresso se o governo quiser manter o teto de gastos em vigor.
A urgência para a aprovação de medidas que quebrem o piso vai depender da habilidade da equipe econômica em revisar o orçamento de 2020. A primeira versão enviada para o Congresso tem 94% de gastos obrigatórios e impõe uma dieta forçada em despesas discricionárias, especialmente investimentos - para os quais sobram apenas R$ 19 bilhões.
Existem alguns ajustes que podem ser feitos para melhorar essa margem de manobra livre de vinculações. Os técnicos estão refazendo contas sobre gastos com pessoal, que podem ser reduzidos em cerca de R$ 5 bilhões. O governo também está disposto a abrir mão da multa adicional de 10% sobre o saldo do FGTS em demissões sem justa causa para ganhar uma margem de outros R$ 5 bilhões para despesas discricionárias. Mesmo assim, 2020 será um ano muito apertado.
Para 2021, é provável que o orçamento fique inadministrável sem outras medidas de redução de gastos obrigatórios. É verdade que o a reforma da Previdência começa a fazer efeito, mas aqui há um detalhe: as mudanças em tramitação no Congresso apenas devem estabilizar o gasto previdenciário em relação ao PIB, sem liberar recursos para outras áreas em um cenário de crescimento econômico modesto como temos atualmente.
O recado dos senadores é o de que a pauta para flexibilizar o orçamento será negociada à exaustão. Até o momento, fora o desespero de não ter como fazer um orçamento decente para 2021, o único trunfo do governo é que os estados também estão quebrados e podem se beneficiar de alguns dos projetos da pauta econômica. Entre eles, uma linha de empréstimos para os outros entes federativos, chamado de Plano Mansueto (em referência ao secretário do Tesouro, Mansueto Almeida), e a divisão dos recursos provenientes do leilão do óleo excedente nas áreas repassadas à Petrobras em seu processo de capitalização.
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