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Guido Orgis

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Blog que discute ideias em economia política

O choque da turma do “não existe almoço grátis” contra a do “sol grátis”

(Foto: Pixabay)

Não é surpreendente a forma como o presidente Jair Bolsonaro colocou fim ao debate sobre a cobrança de tarifas sobre a geração distribuída de energia fotovoltaica. Mas há algo de simbólico no resultado: ganhou a turma do "sol grátis" e perdeu a que diz que "não existe almoço grátis".

O economista liberal Milton Friedman, uma força influente sobre o ministro da Economia Paulo Guedes, cunhou a expressão de que "não existe almoço grátis". Ela se tornou um ditado que na prática significa que alguém sempre está pagando a conta. Vale para subsídios, incentivos, descontos e outras situações em que alguma coisa distorce um preço.

A equipe do ministro Paulo Guedes vem tentando acabar com os almoços grátis que abundam no país. Talvez a proposta mais objetiva nesse sentido esteja na PEC do Pacto Federativo, que traz um artigo limitando os benefícios fiscais concedidos pela União a 2% do PIB. É um pouco menos da metade do que temos hoje e, mesmo assim, um caminhão de dinheiro.

É por ter essa linha de trabalho que o Ministério da Economia se manifestou a favor da revisão das normas sobre a cobrança de taxas da geração distribuída de energia solar. Veio de lá a conta de que, mantidos os subsídios atuais, haveria um custo de R$ 34 bilhões até 2035, que seria bancado por outros consumidores do sistema elétrico ou pelo contribuinte (a conta inclui R$ 11 bilhões em impostos).

A argumentação da Economia não foi suficiente para convencer o Palácio do Planalto, que ficou do lado da tese do "sol grátis". Representantes do setor de geração distribuída, na maioria fabricantes e instaladores de equipamentos, construíram uma argumentação que ganhou respaldo no mundo político e que foi resumida na expressão de que "querem taxar o sol".

A campanha conseguiu deixar em segundo plano detalhes da proposta da Aneel que são importantes para o debate. O primeiro é que não se está falando na criação de um novo imposto, mas sim a cobrança pelo uso da rede de distribuição. A geração distribuída depende da conexão à rede para que o usuário "venda" eletricidade quando há sol e "compre" em horários sem geração. Sem a rede, o dono do painel solar teria de investir em baterias caríssimas.

Além disso, a proposta da Aneel separa a geração local da remota. Isso é importante porque a produção local é a que inclui os menores usuários, as residências e pequenas empresas. Para eles, o custo do uso da rede elétrica seria menor do que no caso da geração remota, feita por centrais construídas em forma de condomínio e que geralmente ficam muito distantes do ponto de consumo.

O erro da Aneel no processo foi ter endurecido bastante sua proposta após as audiências públicas. Inicialmente, a agência previa gatilhos que dariam mais tempo para a instalação de painéis dentro das regras atuais, com a cobrança de tarifas a partir de 2021 (para sistemas remotos) e 2024 (para sistemas locais). A última versão do estudo regulatório apresentado em outubro do ano passado, porém, previa a cobrança imediata de tarifas, o que provocou a reação da indústria.

O melhor argumento contra a proposta da Aneel é que temos ganhos de absorção tecnológica e de segurança energética com a geração distribuída. Mais empresas hoje dominam a tecnologia, que tem custos em queda, ao mesmo tempo em que o sistema já evitou a necessidade de se construir uma grande hidrelétrica. Haveria motivos para que alguns prazos fossem ampliados, por exemplo, mas dificilmente se escaparia da cobrança das taxas já na próxima década. Atualmente, os consumidores sem painel arcam com um custo de R$ 1 bilhão por ano que foi retirado da conta de quem tem painéis solares.

Estímulos para a adoção de novas tecnologias precisam ser bem calibrados para não se tornarem uma renda injustificada. Em outras palavras, o subsídio não pode criar uma oportunidade de ganho de poucos sobre a maioria. Esse parece ser o caso especialmente da geração remota, na qual há ganhos de escala. Os leilões para a contratação de geração conduzidos pela Aneel comprovam que a fonte fotovoltaica já tem custo competitivo - no último certame, a contratação média foi de R$ 84 por MWh, contra R$ 157 para hidrelétricas.

A atual equipe econômica tem feito progresso para reduzir distorções na economia. Neste ano, finalmente, o Ministério da Economia conseguiu reduzir o subsídio para a indústria de refrigerantes instalada na Zona Franca de Manaus, por exemplo. O processo para retirar o benefício começou no governo Michel Temer e só agora o objetivo de reduzir o benefício em 80% foi completado. Serão R$ 800 milhões a mais de arrecadação neste ano.

O modelo da Aneel pode não ser perfeito, mas partiu de uma premissa correta: evitar que benefícios pagos pela maioria sejam apropriados por um pequeno grupo sem justificativa. Os consumidores sem recursos para comprar uma placa solar ou investir em um condomínio de geração agradecem. Ao encerrar o debate, o governo mantém por tempo indefinido um custo crescente para o sistema elétrico.

Atualmente, há 2,1 GW de potência instalada na geração distribuída. A projeção da Aneel é que, mesmo com as mudanças propostas haveria a instalação de 11 GW de potência até 2035. Na proposta original, mais flexível, a expectativa era de que fossem instalados 20 GW. Há, portanto, uma perda potencial de investimento no longo prazo que também precisa ser levada em consideração.

Possivelmente, uma proposta intermediária, entre o que foi apresentado pela Aneel em outubro e o que a agência pensava inicialmente, seria viável politicamente e mais eficiente do que encerrar a discussão sem qualquer mudança. A polarização simplista entre a visão da dupla Aneel/Economia e a do setor de geração distribuída não ajudou.

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