O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem vários méritos. Conseguiu levar para o Planalto uma visão liberal sobre o funcionamento do Estado e apresentou um projeto de reforma da Previdência com o porte adequado para o tamanho do problema. Mas também vendeu ilusões que agora encaram a realidade de Brasília. Uma delas, em especial, está custando caro ao governo. Guedes falou durante a campanha eleitoral que zeraria o déficit público neste ano. Agora, está segurando o caixa para não estourar a meta de déficit de 2019.
A situação do Brasil é tão delicada que um primeiro trimestre de enfraquecimento econômico fez com que novamente fosse necessário um contingenciamento de recursos. Em versões passadas dessa mesma cena, o governo evitava fazer cortes em educação e saúde. Desta vez, as universidades foram colocadas no centro do que, em outras oportunidades, foi só o tradicional contingenciamento anual de gastos. Com isso, o assunto ganhou as ruas como nunca ocorreu antes.
Durante a campanha, Guedes prometeu que terminaríamos 2019 com o déficit público zerado. Isso seria o resultado de muitas privatizações, concessões, aprovação de reformas e racionalização do gasto público. Na prática, qualquer uma dessas ações leva muito mais tempo do que o ministro parecia acreditar no ano passado. Estamos em maio e, por enquanto, só andaram algumas concessões encaminhadas no governo anterior e que já estavam na conta do orçamento.
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Não há processo de privatização significativa adiantado – as melhores fichas estão na venda de ações de empresas públicas detidas por entes estatais, o que tem efeito nulo no déficit. A reforma da Previdência apenas começou a tramitar e é bastante otimismo dizer que terá algum efeito fiscal no ano que vem. E a racionalização do gasto está bem longe do tipo de contingenciamento feito pelo governo.
A Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), em relatório divulgado na quarta (15) fez uma nova conta sobre o déficit primário (antes do pagamento de juros): ele deve ficar conosco até 2025. A União gasta mais do que arrecada e tem dificuldade para estabilizar a dívida pública. Neste momento, o mais importante seria o governo mostrar que tem condições de melhorar as contas públicas nos próximos anos para que 2025 não vire 2030, ou 2035.
O que se conseguiu fazer de ajuste fiscal nos últimos anos não veio de grandes reformas, mas da gestão pontual do orçamento. De 2016 para cá, o governo contou com receitas extraordinárias (R$ 161 bilhões ou 0,8% do PIB, segundo o IFI) e redução de gastos não obrigatórios, em especial investimentos. De 2014, quando começou a crise fiscal, para cá, os gastos discricionários, aqueles que o governo pode controlar, caíram R$ 66 bilhões. Os obrigatórios cresceram R$ 91 bilhões – conta que engloba Previdência, salários, educação, saúde e outras despesas estipuladas em lei. O lado discricionário está cada vez mais perto do limite que inviabiliza o funcionamento da máquina pública (o IFI calcula que R$ 75 bilhões é o mínimo necessário e a previsão de gastos discricionários já está em R$ 128 bilhões neste ano).
Só existe uma esperança de melhora fiscal no curto prazo, segundo o IFi: o leilão do excedente do pré-sal, um conjunto de blocos de exploração de petróleo que deve render mais de R$ 100 bilhões aos cofres públicos. É de novo a receita extraordinária entrando em cena. O governo está costurando as regras para fazer o leilão no segundo semestre. Se tiver sorte, poderá descontingenciar recursos, mesmo que a arrecadação não reaja.
É claro que o governo teria opções para lidar de outra forma com o contingenciamento nas universidades. Poderia ter comunicado melhor a medida (que pareceu retaliação ideológica), ou poderia ter feito um corte menor, passando a conta para outras linhas de despesas. Nada disso mudaria a realidade fiscal da qual as universidades compartilham: os gasto obrigatórios precisam ser controlado e a Previdência é o maior deles.
Havia uma outra opção na mesa: passar para o Congresso aprovar um relaxamento da meta fiscal. Como o problema está nas receitas menores, o governo poderia propor uma meta mais relaxada de déficit, para cortar menos (coisa que Henrique Meirelles fez assim que assumiu a Fazenda). O efeito disso, no entanto, seria uma provável elevação dos juros e menor confiança dos agentes econômicos na sustentabilidade das contas públicas. Também seria uma derrota moral para uma equipe econômica que anunciou o déficit zero na campanha presidencial.
Com o contingenciamento, a equipe econômica deu um sinal positivo para o mercado e para o Banco Central, que provavelmente terá de reduzir os juros para compensar a desaceleração deste início do ano. Falta, porém, algum vetor para acelerar a demanda na economia, que está em ritmo recessivo. Nossa melhor aposta parece ser a organização do governo para acelerar a aprovação de reformas, destravando com isso investimentos de quem está em dúvida sobre o futuro do país. Continuamos dependentes da política.
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