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Guido Orgis

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Blog que discute ideias em economia política

O que faríamos se o “desafio da gasolina” fosse possível?

(Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)

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Quando o presidente Jair Bolsonaro desafiou governadores a zerarem o imposto sobre os combustíveis, ele detonou um debate que mostra o tanto de equívocos que existem quando se fala em carga tributária e orçamento.

Talvez o mais importante deles seja o tom de desafio: se governadores zerarem impostos, o governo federal zera do seu lado. Simplesmente é inviável a qualquer governo estadual zerar o ICMS sobre combustíveis porque ele representa até 20% da arrecadação. E mesmo a União teria dificuldade em abrir mão dos R$ 24 bilhões que recolhe com os impostos federais.

Estamos falando de um país com vários estados quebrados, com dificuldade de pagar as contas, e de um governo federal que ainda tem trabalho a fazer para terminar seu ajuste fiscal. É um contexto em que ninguém pode apontar o dedo, já que coisas como salários elevados do funcionalismo são problemas de todas as esferas de poder.

Se por acaso não fosse essa a realidade e houvesse margem para se reduzirem impostos, o desafio estaria indo contra a ideia de "menos Brasília" usada na campanha eleitoral de 2018. Afinal, são os estados e municípios que perderiam mais recursos com a ideia, concentrando ainda mais peso arrecadatório na União.

Isso não significa que o país não deva debater a tributação sobre combustíveis, mas sim que é preciso muito mais do que a vontade de agradar o eleitorado. Reduções de impostos só são possíveis com a redução de gastos. O debate deveria começar por outras pautas, como um empenho mais consistente do governo federal em fazer andar a PEC Paralela que obriga estados e municípios a reformarem seus sistemas previdenciários.

Em um cenário de gastos em queda, poderíamos começar uma conversa sobre quais impostos reduzir. Não custa sonhar. Será que a gasolina estaria no topo da lista? Provavelmente seria uma prioridade do mundo político, que já captou a sensibilidade do eleitorado ao preço dos combustíveis. A ex-presidente Dilma Rousseff segurou durante anos reajustes da Petrobras exatamente por isso.

O preço da gasolina no Brasil é equivalente ao praticado em outros países emergentes, como Chile e México. Estamos longe do petropopulismo da gasolina grátis da Venezuela e do Irã, ou do "imposto do pecado" praticado por países nórdicos, onde a preocupação a respeito das emissões de poluentes é maior do que aqui.

Começando por essa comparação, talvez baixássemos apenas um pouco a tributação da gasolina, beneficiando também outros insumos básicos com o mesmo problema da tributação ultraelevada. Estão na lista a internet e a energia elétrica, bens duráveis, como máquinas de lavar e fornos de microondas, e mais centenas de produtos. A questão é que a alta tributação sobre o consumo de determinados itens é uma doença crônica e não deveríamos olhar só para os combustíveis.

Ao longo das duas últimas décadas, os governos estaduais adotaram o caminho mais fácil para elevar a arrecadação: tributar mais o que é mais fácil de cobrar. Combustíveis, energia elétrica e bens duráveis, para ficar em alguns casos que chamam mais a atenção, são facilmente tributáveis. Os estados usam a substituição tributária (cobrando o ICMS na origem com preços estimados pelo poder público e não o praticado no comércio) ou a fiscalização intensa sobre grandes empresas (a distribuição de alguns produtos é mais concentrada do que a de outros) para não perder a briga para a sonegação.

Se topassem o desafio da gasolina, os estados correriam para arrecadar mais desses produtos já intensamente tributados. Seria mais produtiva uma conversa sobre como eliminar a distorção da supertributação, algo que está na pauta da reforma tributária em discussão no Congresso.

Até agora, não ficou muito claro que tipo de reforma o governo federal quer apoiar. Durante todo o ano de 2019, perdemos tempo falando de uma nova versão da CPMF, enterrada e desenterrada a cada bimestre. A obsessão da equipe econômica a respeito da desoneração da folha de pagamentos atrasou o que poderia ser ainda melhor para o país: a redução geral dos impostos sobre produtos em troca de uma tributação mais justa sobre serviços subtributados e sobre a renda.

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