Virtual ministro todo-poderoso da Economia em um possível governo Jair Bolsonaro (PSL), o economista Paulo Guedes promete colocar em prática um pacote econômico que é um choque de liberalismo. Comparável em teoria somente a dois momentos recentes: a abertura comercial do governo Collor e a estabilização da economia do fim do governo Itamar Franco, o programa de Guedes tem boas promessas, propostas estranhas e coisas impossíveis. Em resumo, é muito diferente do que conhecemos.
O plano econômico de Guedes é de uma escola liberal radical, no sentido da busca de soluções incomuns para colocar o mercado para funcionar em áreas onde ele chega apenas marginalmente. O único economista citado no programa de Bolsonaro apresentado à Justiça Eleitoral é o americano Milton Friedman, expoente da chamada escola de Chicago – onde Guedes estudou. É da lavra de Friedman ideias que soam estranhas até mesmo para liberais.
Friedman era um economista provocador. Foi ele quem sugeriu a criação de uma alíquota única de Imposto de Renda, que traria o benefício de uma maior eficiência em seu recolhimento, sem causar problemas como a evasão fiscal dos mais ricos. Ele também defendia a saída completa do Estado dos sistemas previdenciários – que deveriam ser resultado da escolha das pessoas em poupar para o futuro, e não uma decisão do governo. Para Friedman, muitas intervenções, como políticas afirmativas no mercado de trabalho, produziam resultados piores do que o problema que tentavam solucionar. Em uma das últimas edições de seu livro mais conhecido, Capitalismo e Liberdade, o economista conta que ele costumava conquistar as plateias de jovens universitários quando chegava no que diz ser a única sugestão sua de política pública aplicada na prática: o fim do serviço militar obrigatório.
LEIA TAMBÉM: O que pensa o ministro da Fazenda de um eventual governo Bolsonaro
É claro que a influência de Friedman não ficou restrita ao serviço militar. Seu trabalho mudou a compreensão sobre inflação e foi fundamental na forma como os bancos centrais reagiram à crise de 2008. Foi o trabalho do economista que explicou a influência da oferta de dinheiro sobre os preços e inspirou o ex-presidente do Fed, o BC dos Estados Unidos, Ben Bernanke a dizer que colocaria dinheiro na economia até de helicóptero se fosse necessário.
Nem Guedes nem o plano oficial de governo de Bolsonaro explicam em detalhes como pretendem colocar seu choque em prática. O ponto mais explorado é a intenção de privatizar tudo o que der – dentro dos limites agora impostos pelo candidato, que não quer empresas estratégicas nas mãos da iniciativa privada – para levantar dinheiro e diminuir a dívida. O economista deixou claro que sua prioridade número um será reduzir o endividamento para que os juros caiam e a taxa de crescimento da economia volte a subir. Uma das metas escritas no plano é levar o Brasil ao déficit primário zero no primeiro ano, um prazo exíguo, provavelmente desnecessário, e que dá a dimensão do choque: 2% do PIB, ou mais de 10% da arrecadação do governo.
Na área tributária, Guedes e seus assessores estão trabalhando em uma reforma que vai além do consenso já existente no Congresso para se substituírem três ou quatro tributos por apenas um. A reforma deixaria um ou dois impostos no total e faria uma reorganização profunda da distribuição da carga tributária. Fala-se, por exemplo, em uma extensa desoneração da folha de pagamentos, cuja tributação teria de migrar para outra área (em algum ponto da campanha, especulou-se sobre uma nova CPMF, depois refutada por Bolsonaro). Também foi aventada a alíquota única de Imposto de Renda, que não reapareceu no radar, por enquanto.
Está no plano de governo também uma reordenação da distribuição dos recursos. Estados e municípios ganhariam uma fatia maior, fortalecendo o pacto federativo. Assim, a reforma tributária também teria de mexer na forma como impostos estaduais e municipais são cobrados. Um dos dois impostos que sobreviveriam seria o IVA, sobre valor agregado, que seria cobrado no destino e substituiria o ICMS e o ISS, além de impostos federais.
Para a Previdência, a equipe de Guedes quer muito mais do que um pequeno aumento na idade mínima de aposentadoria do funcionalismo, como disse Bolsonaro em entrevista. A meta é instituir um sistema de capitalização, o que exigiria antes reformar o atual, mas sem detalhes. Fala-se em usar parte do FGTS nessa capitalização, uma proposta bastante polêmica. Como o ajuste na Previdência é condição para a estabilização do déficit público, seria incongruente que ela não fosse feita nos moldes trazidos pelo governo Michel Temer, com idade mínima para todos, aumento do tempo de contribuição e regras mais rígidas para a aposentadoria rural e o BPC (esses dois últimos itens retirados da pauta pelo Congresso).
Trazer o mercado para onde ele não está também significa acabar com benefícios fiscais sem retorno, aumentar a prestação de serviços à população via empresas privadas e acabar com monopólios e oligopólios. Todos os pontos estão no plano de governo. Para o terceiro item há um candidato claro: o setor bancário, apontado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como a reforma com o aumento da produtividade como alvo. Também devem ser reformados os programas sociais, com o fim do abono salarial (que passou despercebido nas entrevistas de Guedes), por exemplo. Completando o pacote, deve haver uma abertura comercial rápida.
O Brasil tem a ganhar com mais espaço para o mercado e a retirada do Estado de algumas atividades econômicas. O problema é que, olhando o conjunto do que seria o “choque Guedes”, nota-se o tamanho do conflito que ele terá de gerar para ir adiante e suas inconsistências quando encontra a realidade. Há atritos que vão do funcionalismo público às grandes indústrias (que não querem abertura comercial unilateral, como prega o manual econômico liberal), e passam pelo núcleo duro do que será o governo Bolsonaro. Tanto o presidenciável quanto seu possível chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, já falaram bastante contra a reforma da Previdência, para ficar em um único tema delicado.
As mudanças vão irritar sindicatos (reforma da Previdência, fim do abono, carteira de trabalho verde-amarela), a indústria da construção civil (como assim, mudar o FGTS?), os fabricantes de refrigerante (qualquer revisão de benefícios fiscais teria de acabar com o bolsa-refri) e as montadoras (que neste momento rezam para que o Congresso aprove neste ano o Rota 2030). Além disso, o economista trabalha com uma visão provavelmente irreal sobre privatizações (até porque não vai poder privatizar tudo), Previdência (como pagar as contas quando começar a capitalização?), sistema tributário (a redução no número de impostos tem limites muito maiores do que um, dois ou três; se ficarmos com dez está de bom tamanho) e mercado de trabalho (a ideia de dois sistemas, como na carteira de trabalho verde-amarela, seria rapidamente revertida na Justiça).
Até onde iria um choque em tantas frentes? Vai depender muito do relacionamento entre Guedes e Bolsonaro, de como o Congresso vai reagir aos projetos que serão enviados pela equipe econômica e do ajuste das ideias mais estranhas à realidade. Não está claro se Guedes saberá negociar, ou se terá apoio no corpo a corpo em Brasília. Ajudaria se Bolsonaro fosse capaz de entender os detalhes das ideias em gestação por sua equipe para evitar os atritos desnecessários e escolher as propostas certas para o país.
Prejuízo recorde ressalta uso político e má gestão das empresas estatais sob Lula 3
Moraes enfrenta dilema com convite de Trump a Bolsonaro, e enrolação pode ser recurso
Carta sobre inflação é mau começo para Galípolo no BC
Como obsessão woke e negligência contribuíram para que o fogo se alastrasse na Califórnia
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF