A reforma do Imposto de Renda deve ir a votação nesta terça-feira (17) ainda com vários problemas em sua concepção. O tema é complexo, mas deve ser avaliado na Câmara dos Deputados rapidamente porque é necessário para o governo viabilizar o Auxílio Brasil, o novo Bolsa Família.
O projeto do IR foi criticado incialmente principalmente por criar a tributação sobre dividendos sem uma redução proporcional do Imposto de Renda pago pelas empresas (IRPJ). Essa questão de alíquota foi resolvida na sequência com uma redução maior do IRPJ, que desagradou estados e municípios, que temem queda na arrecadação.
Sob pressão de estados e municípios relator do projeto, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), passou a propor uma composição de redução menos acentuada do IRPJ (que é repartido com estados e municípios) com uma queda da CSLL (que é exclusiva da União). Agora, grandes empresas reclamam que a calibragem foi para o lado errado, aumentando a carga tributária, enquanto estados e municípios dizem ainda que vão perder a arrecadação.
Para o ministro da economia, Paulo Guedes, esse é o ponto de equilíbrio. Se todos reclamam é porque cada um está contribuindo um pouco para a reforma. Talvez ele esteja correto. Talvez não. Os números apresentados até agora pelo governo não são muito firmes, para dizer o mínimo. Mesmo especialistas têm dificuldade de estimar os efeitos da proposta, já que os dados de que dispõem para trabalhar são de 2013.
Enquanto o foco do debate político era a calibragem das alíquotas do IRPJ, nos bastidores a pressão era outra, para o aumento de isenções. É provável que o relatório final mantenha a isenção do IR sobre dividendos de empresas no Simples, incluindo aquelas que pagam imposto pelo lucro presumido.
Nesse ponto, o lobby dos advogados, médicos e outros prestadores de serviços foi extremamente eficiente, conseguindo uma dupla vitória. Além da redução do IRPJ pago por essas empresas, haverá a isenção dos dividendos para aquelas que estiverem na faixa de isenção do Simples (R$ 4,8 milhões).
Essa alteração faz com que se perca boa parte do propósito do projeto original (que já previa isenção para rendimentos de até R$ 20 mil por mês) de tornar o sistema tributário mais progressivo. Se for mantida a isenção, algumas categorias profissionais pagarão um IR simbólico - pelo lucro presumido, o IRPJ é calculado sobre um percentual da receita, normalmente muito inferior ao lucro real obtido pelo negócio.
Ao mesmo tempo, o relatório não corrige o desequilíbrio de alíquotas entre investimentos e dividendos. A equipe econômica quis acabar com as faixas de tributação para investimentos (o que simplifica o sistema e reduz distorções), concentrando a cobrança na alíquota de 15%. Mas dividendos ficaram com alíquota de 20%, o que torna menos vantajoso um investimento que vise ganhos via dividendos.
Pelo que foi apresentado até agora, um pequeno investidor que comprou ações de uma empresa que paga dividendos terá um IR de 20% ao receber esse rendimento. Se ele investir em uma empresa do Simples, mesmo que muito lucrativa, pagará zero. Advogados com faturamento de até R$ 4,8 milhões também pagarão zero.
O maior problema do projeto do IR é que ele não teve o foco correto por estar desconectado do restante da reforma tributária. Idealmente, o Brasil deveria aumentar a tributação sobre a renda e reduzir a cobrança de impostos sobre consumo. Além disso, o IR sobre dividendos deveria ser uniforme entre os cidadãos, acertado na declaração anual da pessoa física, independente do perfil da empresa pagadora.
O projeto tem ainda artigos estranhos, como o que permite "adiantar", com um ótimo desconto, o imposto sobre ganho de capital de imóveis (uma pequena pedalada fiscal), e a manutenção da isenção de IR sobre letras de crédito do agronegócio e do setor imobiliário (efeito do lobby setorial).
Para completar, há a pressa. Talvez fosse melhor esperar o andamento do restante da reforma tributária para harmonizar o IRPJ com outras mudanças (por exemplo, uma redução do PIS/Cofins para a unificação de alíquotas). Mas o governo precisa aprovar este projeto para viabilizar o Auxílio Brasil. Isso porque o aumento de gastos com o novo Bolsa Família será viabilizado com o novo imposto sobre dividendos - essa foi a escolha para se respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
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