A palestra econômica do general Hamilton Mourão, vice na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), na quinta-feira (27), provou que o desconhecimento sobre contas públicas não tem cor ideológica. Ele até ia bem, dizendo que é preciso fazer um ajuste fiscal, repetiu a comparação do pagamento de juros com o Plano Marshall e emendou com uma necessária renegociação dos juros da dívida.
Dito assim, é o mesmo que defendem os grupos que pregam a “auditoria cidadã” da dívida pública, que já foi pedida pelo senador e candidato Alvaro Dias (Podemos) e já foi compromisso assumido em 2016 por Ciro Gomes (PDT). O pessoal da auditoria acredita que o país paga juros demais, enriquece banqueiros e precisa refazer as contas para descobrir quanto realmente deve para o mercado. Na prática, querem uma renegociação da dívida.
O erro central do raciocínio da renegociação é o de que isso possa ser feito apenas prejudicando os bancos. Ninguém cita o tamanho da ruptura que representa esse tipo de ideia, nem quem realmente será afetado por ela.
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Primeiro, não são só bancos que detêm títulos do governo – que é como a dívida é “vendida” ao mercado. Quem tem dinheiro em fundos de investimento, na poupança ou no Tesouro Direto depende da remuneração de títulos públicos, em maior ou menor grau. Fundos de pensão também mantêm carteiras de títulos públicos. São milhões de pessoas que esperam pelo cumprimento de um contrato firmado pelo governo e que promete uma certa remuneração em troca de dinheiro emprestado.
Descumprir um contrato desse tipo tem implicações graves. Faria o governo perder sua capacidade de rolagem de dívida e provocaria um choque muito maior do que um ajuste fiscal. Já passamos por isso nos anos 80 e o resultado foi uma combinação de hiperinflação e crescimento baixo. Parte importante do Plano Real foi contornar o calote da dívida com um plano negociado por Pedro Malan.
O Brasil tem, de fato, um problema de alto endividamento. O déficit primário ronda os 2% do PIB, ou seja, o governo gasta mais do que arrecada e paga parte de suas contas com mais dívida. Além disso, há a conta de juros da dívida, que está em 5% do PIB ao ano. Mas, ao invés do que os auditores da dívida pregam, não é uma escolha do governo dizer quanto quer pagar de juros. É o mercado que avalia o risco de emprestar para o governo e ele sempre será proporcional à saúde fiscal. Depois de quatro anos de déficits primários seguidos e perto de uma eleição cheia de emoções, é normal que a taxa real de juros de médio prazo esteja em 5,7% ao ano.
A maioria dos programas dos candidatos à Presidência não tem o necessário para fazer a conta de juros cair no longo prazo. Há quem aposte nas privatizações, ou quem fale em mais impostos sobre os ricos. De leve, falam em reforma da Previdência, o maior gasto público e que cresce em velocidade maior do que a arrecadação. Muitos dão um passo atrás falando que vão revogar o teto de gastos, a regra constitucional que limita o crescimento das despesas públicas – como se gastar mais fosse uma solução para baixar os juros. Ninguém fala diretamente em reforma do funcionalismo. A renegociação do general Mourão (defendida também pela extrema esquerda) é só mais uma ideia ruim para solucionar um dos principais entraves do país.