Tanto o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) quanto seu adversário Fernando Haddad (PT) têm sido superficiais ao falar sobre a reforma da Previdência. É preciso juntar declarações esparsas com os textos de seus programas de governo para entender o que os dois propõem. O resultado é semelhante: uma reforma meia-sola que cobra a conta de curto prazo do funcionalismo.
O plano de governo de Bolsonaro fala em transição para um modelo de capitalização, no qual cada trabalhador teria uma conta individual, capitalizada ao longo dos anos de contribuição. O texto admite que seria necessário um ajuste no modelo atual, mas não dá detalhes. Em entrevistas, o candidato tem deixado escapar que não gosta do projeto apresentado pelo governo Michel Temer, já bastante enfraquecido pelo Congresso.
O projeto apresentado em 2016 impunha idade mínima para homens e mulheres com uma regra de transição, e que valeria para o setor privado e para o funcionalismo. Também previa regras mais rigorosas para a aposentadoria rural e para a concessão do benefício de prestação continuada (BPC). Na negociação no Congresso, os ajustes na aposentadoria rural e no BPC caíram. A idade mínima para mulheres foi reduzida e sistemas especiais foram mantidos para diversas categorias. Mesmo assim, o projeto tinha virtudes, como a idade mínima e a convergência de regras entre os setores público e privado.
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Se o que restou da proposta da equipe de Temer não passa no Congresso, no entender de Bolsonaro, é de se esperar que seu projeto seja ainda menos ambicioso. Ele deu uma pista do que pretende: começar pelo funcionalismo. Ele disse em uma entrevista que aumentar a idade mínima dos funcionários homens de 60 para 61 anos passaria. E também falou em não se permitir o acúmulo de gratificações para o cálculo do benefício.
No polo oposto da disputa presidencial, Fernando Haddad também fala em fazer reforma para o funcionalismo. O plano de governo do PT diz que é necessário atuar para se convergirem os regimes próprios (do funcionalismo) com o regime geral, o INSS. Não está claro qual parte do regime próprio entraria no projeto. Em uma entrevista, Haddad explicou que a ideia é começar o debate por temas como idade mínima, contribuição e “outros benefícios” dos regimes próprios.
Em resumo, há grande concordância entre Bolsonaro e Haddad sobre se iniciar o debate da reforma da Previdência pelo funcionalismo. No fundo, os dois parecem tentar ganhar tempo com as propostas que são mais populares, embora não mais simples de serem aprovadas no Congresso.
O entendimento de que o problema maior está na previdência pública é só parcialmente verdadeiro. Na prática, os servidores públicos admitidos a partir de 2013 seguem regras mais rigorosas que os trabalhadores da iniciativa privada precisam respeitar a idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 anos para homens. Suas aposentadorias não poderão ser descritas como coisa de “marajás”, já que estarão limitadas ao mesmo limite do INSS. Se quiserem ganhar mais, os funcionários precisam aderir a um fundo de previdência. Com a proposta da equipe de Temer, a idade mínima subiria para 62 anos para mulheres e 65 para homens, juntamente com o que se pensou para a iniciativa privada.
O problema maior, no setor público, está na combinação de regras anteriores a 2013 com as aposentadorias especiais. Os funcionários contratados até 2003 têm benefícios impensáveis na iniciativa privada, como a paridade e integralidade – que garantem a saída do serviço público com o último salário, que será depois corrigido juntamente com os vencimentos do pessoal da ativa. Para quem entrou entre 2003 e 2013, a conta do benefício é pela média das contribuições, o que diminui o benefício. Nenhuma dessas regras seria alterada com a reforma de Temer.
Outro ponto que seria muito pouco alterado na reforma Temer está nas aposentadorias especiais, com destaque para as de professores, policiais e agentes penitenciários, entre outras. Essas categorias são o grosso dos aposentados nos estados, que hoje enfrentam uma dificuldade enorme para dar conta de suas folhas de pagamentos.
Olhando-se os números, faria sentido haver uma reforma muito rigorosa para o funcionalismo. O déficit previdenciário dos regimes próprios em 2017 foi de cerca de R$ 180 bilhões, sendo a metade bancada pelos estados e outros 45% pela União (os municípios têm um déficit bem menor). O INSS teve no mesmo ano um déficit de R$ 183 bilhões. A diferença é que o INSS atende aproximadamente 30 milhões de beneficiários, contra 4 milhões nos regimes próprios.
Essa desigualdade seria argumento suficiente para uma reforma ainda mais dura com o funcionalismo do que a proposta por Temer? Claro. Mas seria politicamente delicado mudar as regras anteriores a 2013 para além da idade mínima (já combatida ativamente pelo lobby dos servidores). E é difícil ver na história corporativista de Bolsonaro e Haddad a vontade de mudar as aposentadorias especiais. Ou seja, a mexida no funcionalismo tem tudo para ser insuficiente.
No longo prazo, o problema maior do Brasil não está no funcionalismo. O déficit do regime próprio da União, pelo menos, começa a cair em 2048, por causa da reforma que começou a valer em 2013. Para os estados, a perspectiva é mais sombria por causa do estoque de aposentadorias precoces de professores e policiais.
A União, por sua vez, tem no INSS o seu problema de longo prazo. Com o envelhecimento da população, as regras atuais levariam a Previdência a um déficit de 17% do PIB em 2060. Isso é tudo o que o governo federal arrecada durante um ano. Assim, a reforma do regime geral é uma necessidade tão importante quanto a do funcionalismo. É por isso que a atual equipe econômica fez um projeto único, com convergência de regras e com mudanças que também ajudariam as contas dos estados.
Tanto Bolsonaro quanto Haddad têm demonstrado que não querem ir muito fundo no problema, dando só um ou dois passos em um processo que entendem ser gradual. Pode ser a melhor construção política para quem no dia anterior militava ao lado dos sindicatos (do funcionalismo, militares e policiais), mas não é a melhor construção econômica. Quanto mais estrutural for a reforma, maior será seu efeito na redução da taxa de juros de longo prazo e, por consequência, no potencial de crescimento do país.
Para quem quer confirmar os números, vale olhar este resumo feito por técnicos do Ipea
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