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Guido Orgis

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Blog que discute ideias em economia política

Qual o tamanho do cheque especial do governo para lidar com a crise?

(Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

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O governo federal tem anunciado aos poucos medidas econômicas para lidar com a crise provocada pelo coronavírus. Esse conjunto certamente vai causar uma piora na dívida pública, o que levanta também a preocupação sobre os limites para a atuação do setor público.

A dívida bruta do governo federal está hoje em 76% do PIB. Tornou-se a maior entre os países emergentes após o ciclo de gastos e recessão do governo Dilma Rousseff. Seu crescimento foi controlado com a implementação do teto de gastos, que impediu a realização de projeções que indicavam a possibilidade de chegarmos a 100% do PIB entre 2022 e 2023.

O Brasil terá de aumentar seu endividamento durante esta crise. Isso aconteceria independentemente de qualquer ação estatal para suporte da economia, já que a arrecadação vai cair no primeiro semestre. Neste contexto, a atuação fiscal anticíclica passou a ser defendida até por economistas conhecidos por sua visão cuidadosa em relação à gestão fiscal. O efeito de não haver suporte público para a economia pode ser uma recessão ainda mais profunda, com impactos mais longos sobre a arrecadação e, no fim, a dívida pública.

Há divergências sobre o tamanho e duração do suporte que deve ser dado pelo setor público. O ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, tem falado em um apoio de 4% do PIB, ou cerca de R$ 300 bilhões. O economista do Ibre-FGV Bráulio Borges vê espaço para uma atuação ainda mais forte, de R$ 600 bilhões.

Existe consenso de que as medidas anunciadas até agora estão no caminho certo, mas precisam ser complementadas com rapidez. O suporte a famílias via Bolsa Família e Cadastro Único, na visão de Fraga, pode ser ampliado de 70 milhões para 100 milhões de pessoas. Os valores repassados poderiam temporariamente ser elevados.

Para apoiar pequenos negócios, Fraga propõe uma atuação via garantias de crédito. Os bancos públicos poderiam ser o ponto de distribuição de empréstimos garantidos pelo Tesouro e com retorno calculado com base no faturamento futuro das empresas. O ex-presidente do BC Ilan Goldfajn defende algo parecido, mas através de um programa que use todo o setor bancário.

Existe ainda a proposta de apoiar as empresas em dificuldade via folha de pagamentos. O expediente foi usado na Alemanha durante a crise de 2008-2009 e poderia ser adaptado ao Brasil. A equipe econômica estuda uma medida nessa linha, mas ainda não há detalhes sobre como funcionaria, nem seu custo. Seria uma forma de manter o emprego formal por dois ou três meses até a normalização da circulação de pessoas.

O gasto público adicional também é crucial para dar apoio a estados e municípios no combate ao coronavírus. Os recursos precisam ser mobilizados rapidamente para que, por exemplo, não faltem materiais protetivos para trabalhadores da saúde. Também é preciso estruturar ações de isolamento de casos confirmados, caminho comprovadamente eficiente para segurar as infecções. Sistema que precisa ser projetado para um período longo, para evitar uma segunda onda da doença.

As ações já anunciadas pelo governo combinam uma realocação de gastos já previstos, algum gasto novo e a injeção de liquidez no sistema financeiro. Juntas, dariam 11% do PIB, segundo um levantamento feito pelo pesquisador do Ibre-FGV Manoel Pires. A maior parte desse conjunto, no entanto, está em ações de liquidez do Banco Central, que têm efeito indireto nas condições de vida das pessoas, via estabilidade do setor financeiro e melhores condições de rolagem, principalmente para grandes empresas.

Até aqui, o governo fez um remanejamento de despesas, adiantando o pagamento de metade do décimo terceiro de aposentados, e também de receitas, atrasando o recolhimento de alguns impostos - somando . Há também uma liberação de recurso do FTGS e o comprometimento de bancos públicos para a expansão de linhas de crédito. Essas ações somam 2,4% do PIB, mas não são "dinheiro novo", que está limitado a menos de 0,5% do PIB.

O anúncio de apoio para os estados teve uma composição semelhante. O governo abriu mão de receber parcelas das dívidas estaduais e permitiu que os entes captem mais recursos. O dinheiro novo é apenas uma complementação dos fundos de participação, cujos repasses cairiam com a redução da receita de impostos.

É muito provável que o governo federal tenha de colocar a mão no bolso em mais ações como a ampliação do Bolsa Família e os R$ 200 reais prometidos para trabalhadores informais. Estados e municípios vão precisar de recursos adicionais para a saúde. O apoio para a renda de trabalhadores informais teria de ser maior e ainda é esperada uma fórmula para trabalhadores formais. Pequenas e médias empresas precisarão de crédito em condições diferentes, possivelmente com garantias dadas pelo Tesouro. E alguns setores terão de ter uma atenção extra, entre eles aviação e hotelaria.

Tudo somado, é possível que o governo precise de fato gastar mais 3% ou 4% do PIB - lembrando que o gasto é condicionado à evolução da doença. O lado positivo de um programa amplo assim é que ele se torna um fator de combate ao coronavírus, pois dá segurança para as pessoas ficarem em casa.

Ao mesmo tempo, a União precisa estar preparada para uma queda significativa na receita. Esse ponto ainda não foi dimensionado pela equipe econômica. O orçamento deste ano foi feito com base em uma expectativa de crescimento de 2,3%. Teremos sorte se a contração for menor do que 1%. Também haverá queda na receita vinda do petróleo, ao mesmo tempo em que a inflação menor também reduz a arrecadação.

Assim, o Brasil precisa estar pronto para um déficit primário de até 9% do PIB neste ano (ante 1% previsto no início do ano), dependendo da duração da epidemia e de sua abrangência geográfica. Com tudo isso, a dívida pública estaria beirando os 90% do PIB. E aqui entram ideias mais polêmicas para evitar essa expansão.

Vários economistas começam a sugerir medidas como a venda de reservas para reduzir a dívida. O caminho é o seguinte: o BC troca dólares por reais e vai ao mercado resgatar títulos públicos que ele colocou em circulação durante o processo de constituição das reservas cambiais, hoje em US$ 350 bilhões.

Outra sugestão descrita em artigo do economista Bráulio Borges é a aprovação de um projeto de lei que permite que bancos façam depósitos remunerados no BC. Esse mecanismo substituiria operações compromissadas hoje lastreadas em títulos públicos. Na prática, isso permitiria que o BC operasse com um estoque menor de títulos, reduzindo a dívida bruta.

Nenhum desses caminhos, no entanto, substitui a necessidade de a comunicação da equipe econômica salientar dois pontos: os novos gastos são temporários; e o arcabouço fiscal (LRF e teto de gastos) será retomado na sequência. Ajudaria se fosse aprovada a PEC Emergencial, que permite ajustes no funcionalismo público, por exemplo. Ou que fosse apresentada a reforma administrativa.

Com isso, o governo construiria um caminho para usar seu "cheque especial" sem medo de desconstruir os ganhos da política fiscal dos últimos anos, que permitiu uma redução significativa dos juros de longo prazo no Brasil.

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