A proposta de reforma do Imposto de Renda apresentada pela equipe econômica na última sexta-feira traz um enorme avanço na busca por um sistema tributário mais equilibrado: a cobrança de impostos sobre dividendos. Mas, ao colocar esse tema no balaio de outras mudanças, o governo acabou criando uma reforma meia-sola.
O primeiro problema da reforma é misturar correção de tabela com mudanças de regras. Nos últimos anos, ao não corrigir a tabela de IR, o governo fez um aumento velado da carga tributária. Milhões de pessoas passaram a pagar o tributo. Na campanha eleitoral, o então candidato Jair Bolsonaro prometeu elevar a faixa de isenção para R$ 5 mil.
Essa promessa de campanha acabou não encontrando respaldo na realidade. Por isso, o ajuste da tabela foi "colado" a outros temas. A começar pelo limite para o desconto simplificado na declaração anual. É difícil entender o porquê da escolha, que vai aumentar a tributação de rendimentos na faixa intermediária da tabela.
O desconto simplificado é uma compensação para cidadãos que pagam IR, mas não têm gastos dedutíveis. No Brasil, gastos com educação, saúde, dependentes e investimentos em previdência privada são as principais deduções. Para equalizar a alíquota efetiva entre quem tem deduções e quem não tem, foi criado o desconto simplificado - limitado no projeto de lei a rendimentos de R$ 40 mil por ano. Quem optava pela declaração simplificada e recebe mais do que isso vai pagar mais imposto.
Já que a redução de gastos do governo não está em pauta, uma alternativa melhor para compensar a correção da tabela seria uma limitação para a dedução com saúde, única sem limites segundo a legislação atual. Esse detalhe faz com que os contribuintes de maior renda tenham um benefício tributário maior e seria justo se houvesse ao menos um limite, como ocorre com os gastos com educação.
Não fosse pelo pequeno factoide da correção da tabela, as notícias sobre a reforma se deteriam em seu aspecto mais importante, a tributação de dividendos. Os dados da Receita Federal mostram que a alíquota efetiva de IR cai nos estratos mais elevados de renda porque dividendos e o rendimento de outros investimentos são isentos.
Ao tributar os dividendos em 20%, a equipe econômica enxergou a oportunidade de reduzir o IR de pessoas jurídicas, criando uma tributação em duas fases comum em outros países. O modelo é de fato o melhor e estaria isento de críticas se não houvesse um aumento de carga tributária implícito na escolha das alíquotas. Para completar, a proposta acaba com os juros sobre capital próprio, um mecanismo que permite que a empresa remunere o capital dos acionistas com benefício fiscal.
É provável que essa combinação de escolhas leve a uma pressão muito grande para a redução de alíquotas quando o projeto tramitar no Congresso. A equipe do ministro Paulo Guedes terá de explicar melhor como fez as contas para o projeto não ser empurrado para 2023 - se a reforma não for aprovada até dezembro, não poderá ser implementada no ano que vem.
Na apresentação da reforma, a equipe econômica quis passar a mensagem de que ela seria neutra do ponto de vista de arrecadação. Isso não necessariamente é o melhor. Há muito tempo especialistas em tributos apontam para um desequilíbrio na composição da arrecadação no Brasil, que tributa muito o consumo e pouco a renda. O problema é que o "fatiamento" da reforma torna impossível que se feche o compromisso de redução de outros impostos em troca da tributação dos dividendos em 20%.
Para complicar um pouco o debate, o projeto cria uma isenção para pessoas físicas que recebem até R$ 20 mil por mês em dividendos de pequenas empresas. Esse é um benefício que cria uma distorção no sistema e reduz a equalização das alíquotas efetivas de IR no Brasil - empresas de serviços, como escritórios de advocacia, estarão entre as mais beneficiadas pelo mecanismo.
Outros dois pontos do projeto jogam contra a ideia de melhorar a distribuição da tributação. Um deles dá a chance de donos de imóveis atualizarem o valor do bem na declaração de IR pagando só 5% de imposto, em vez de 15% a 22,5%. É uma pequena pedalada na qual o governo antecipa uma receita dando um grande desconto, beneficiando contribuintes com capacidade financeira para isso. Não faz muito sentido.
Para finalizar, o projeto tem as digitais de lobbies setoriais, já que de forma inexplicável as aplicações em títulos do agronegócio e da construção (LCAs, LCIs, CRAs e CRIs) continuariam isentas.
Apesar dos pontos fracos do projeto, a tributação de dividendos é um avanço. Seria melhor se ela estivesse vinculada a outras frentes da reforma, fazendo com que a tributação maior da renda fosse compensada por uma redução dos impostos sobre consumo, viabilizando a unificação de alíquotas pretendida pelo projeto de reforma que tramita no Congresso. Para isso, além de tributar dividendos, o projeto poderia ter aumentado as faixas de contribuição e fechado de maneira mais consistente as portas para a pejotização e o planejamento tributário, em especial de prestadores de serviços que pagam IR pelo lucro presumido.
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