Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Guido Orgis

Guido Orgis

Blog que discute ideias em economia política

Reforma do Imposto de Renda virou uma “bolsa PJ”

App do Imposto de Renda
App do Imposto de Renda. (Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo)

Ouça este conteúdo

O projeto de reforma do Imposto de Renda aprovado na quarta-feira (01) pela Câmara dos Deputados tem vários problemas, mas um deles é especialmente difícil de justificar, que vou chamar aqui de "bolsa PJ". Este é um benefício que reduz o IR das empresas do Simples e do lucro presumido com faturamento até R$ 4,8 milhões e isenta seus sócios do IR sobre dividendos.

Em outras palavras, o projeto reduzo o imposto pago por essas empresas, muitas delas de prestadores de serviço sem funcionários. Pode, em uma primeira olhada, parecer justo que o pequeno pague menos impostos. Por isso o exemplo do advogado, sempre usado pelo economista Armínio Fraga, vem bem a calhar. Nesse caso, o IR da empresa é pago sobre uma parcela de 32% do faturamento - o lucro presumido pela Receita. Para prestadores de serviços com custos operacionais baixos, como nesse caso, essa é uma subtributação do lucro de fato.

A existência do lucro presumido ou do Simples não é o problema, mas sim o tamanho do benefício fiscal em comparação com quem recebe um salário, ou extrapola o limite de faturamento de R$ 4,8 milhões. E a reforma do IR aumenta esse benefício ao reduzir a alíquota do imposto, sem a compensação da cobrança sobre os dividendos. É um prato cheio para o planejamento tributário e um incentivo ainda maior à pejotização.

Esse é apenas um dos problemas que a pressão de grupos de interesse criou no projeto. A tributação sobre dividendos também deixou de fora as letras de crédito agrícola e imobiliário - um benefício fiscal que não é desfrutado por investimentos em outros setores.

Também continua no texto a possibilidade de donos de imóveis adiantarem o IR sobre ganho de capital pagando uma alíquota mais baixa. É uma forma de o governo antecipar receita e, para quem tem patrimônio imobiliário e pensa em vendê-lo, reduzir o imposto a ser pago.

A Câmara aliviou um pouco a restrição ao uso do desconto simplificado na declaração do IR. Isso, no entanto, não elimina um desequilíbrio nas deduções. O desconto simplificado é um equalizador de alíquotas efetivas. Se você não teve gastos dedutíveis com educação, saúde e previdência, a legislação permite que use um desconto padrão. Seria melhor uma reforma que acabasse com qualquer dedução e criasse mais faixas na tabela do IR, por exemplo. Ou uma limitação das deduções com saúde para tornar as alíquotas efetivas mais próximas.

Para completar os problemas do projeto aprovado pela Câmara, não se sabe ainda qual será seu efeito sobre a arrecadação. Economistas especializados no tema estavam trabalhando com dados de 2013 e o governo não apresentou números consistentes - a ponto de o ministro da Economia, Paulo Guedes, creditar ao descontentamento de empresas, estados e municípios um sinal de que a reforma era equilibrada.

O mérito da reforma do IR é tentar tornar a tributação mais justa. Atualmente, a alíquota efetiva de IR pago cai no grupo de contribuintes com renda a partir de 30 salários mínimos por mês. A razão principal para isso é que a renda dos mais ricos tem uma participação maior de lucros e dividendos. A reforma trata de maneira parcial essa questão, já que mantém isenções e não institui uma progressividade sobre essa fonte.

Outro ponto positivo da reforma é que o Brasil aplica alíquotas muito elevadas de IR sobre as empresas, na comparação internacional. Em parte, essas alíquotas são compensadas por benefícios fiscais, alguns deles retirados pela reforma. Sem os números, é difícil analisar os efeitos dessa troca. Em teoria, alíquotas menores de IR melhoram as margens, dão fôlego para investimentos e podem tornar alguns setores levemente mais competitivos.

Para completar, a reforma ficou descasada de outros temas tributários. A janela para a aprovação de uma reforma que realmente simplificasse o sistema brasileiro parece perdida e não haverá chance agora para uma troca mais interessante: reduzir impostos sobre o consumo, em troca de uma maior progressividade do IR.

Se o Senado decidir seguir adiante com esse projeto, seria importante corrigir pelo menos a enorme distorção criada pelo "bolsa PJ".

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Tudo sobre:

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.