Marcos Oliveira/Agência Senado| Foto:

A maior surpresa do projeto da reforma da Previdência apresentado na quarta-feira (20) está nas tabelas de contribuição progressiva, que seriam aplicadas a trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos. O mecanismo faz uma nova divisão das obrigações dentro dos dois sistemas, com os mais ricos pagando proporcionalmente mais do que os mais pobres.

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O INSS, ao qual estão ligados trabalhadores da iniciativa privada, já tem uma tabela levemente progressiva. Ela tem três alíquotas: 8%, 9% e 11%, sendo que a última é aplicada a quem ganha de R$ 2,9 mil até o teto de R$ 5,8 mil. No setor público, a alíquota é de 11% para todos os servidores, não há progressividade. A proposta levada ao Congresso é mais progressiva que a já existente no INSS e faz com que o funcionalismo mais rico, aquele cujos vencimentos chegam ao teto no STF, contribua com mais.

A maior progressividade na contribuição reflete uma visão redistributiva do sistema tributário. Não fosse isso, o sistema poderia ter uma alíquota única para todos, já que o benefício final é proporcional à média dos salários da ativa. Mas a equipe econômica parece ter levado em conta a grande desigualdade de renda no país, especialmente quando se comparam os trabalhadores do setor público com os do setor privado.

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Há duas tabelas na reforma. Uma aplicada a trabalhadores e servidores sujeitos ao teto do INSS, de R$ 5,8 mil hoje. Para eles, no caso de aprovação da reforma, haverá quatro faixas com alíquotas que saem de 7,5% e chegam a 14%. Seu cálculo é por degrau, ou seja, soma-se a contribuição de cada faixa de alíquota. Com isso, a equipe econômica diz que a alíquota efetiva será de 11,68% para quem ganha o teto do INSS (uma elevação de 6,2% na contribuição em relação à atual). Vai pagar mais quem tem renda acima de R$ 2,7 mil, aproximadamente.

Para os funcionários públicos mais antigos, contratados antes de 2013 (no caso da União) e que não migraram para o sistema de fundo de pensão, a conta será bem mais salgada. A alíquota mais alta será de 22%, para a faixa salarial que estourar o teto do STF, e de 19% para o rendimento entre R$ 20 mil e R$ 39 mil. A alíquota efetiva final será de 16,79% para quem ganha o teto do STF, bem mais do que os atuais 11%. Servidores de baixa renda farão contribuições menores, iguais às da tabela do INSS. Ou seja, haverá redistribuição inclusive entre o funcionalismo.

A conta final deve ser neutra do ponto de vista fiscal. O governo diz abrir mão de R$ 27,6 bilhões em dez anos com a redução das alíquotas dos mais pobres no INSS, mas vai arrecadar R$ 29,3 bilhões a mais do funcionalismo.

Um aspecto interessante dessa ideia é que ela conflita com o princípio de incentivos muito caro a alguns economistas liberais. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, disse durante a campanha eleitoral que poderia instituir uma alíquota única de Imposto de Renda. O argumento mais radical a favor de uma alíquota única é o de que a progressividade desestimula as pessoas de progredirem e ganharem mais. É claro que no caso do IR as alíquotas únicas podem ser progressivas quando casadas com um desconto padrão no imposto dos mais pobres – uma progressividade controlada, digamos. Mas é o tipo de iniciativa repudiada por economistas de linha redistributiva, que pedem alíquotas absurdamente altas para os mais ricos.

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Simplifiquei o debate para frisar que a equipe econômica aproveitou a reforma da Previdência para tomar uma medida redistributiva não radical. Ela é bem-vinda porque acrescenta ao setor público um mecanismo que já existia na iniciativa privada, com uma progressividade um pouco maior. Afinal, os servidores do topo do funcionalismo já recebem remunerações altas em comparação com a iniciativa privada e têm direito a aposentadorias integrais e paritárias (para contratados até 2003). No fim, há um subsídio menor dos contribuintes em direção aos servidores mais bem pagos e maior para aqueles que recebem menos.

Provavelmente as carreiras mais bem pagas do funcionalismo vão acusar o governo de usar um mecanismo “comunista” para se apropriar de seus salários. É parte da esquerda americana, por exemplo, que está defendendo alíquotas de Imposto de Renda 70% para os mais ricos. Lá, essa mudança tributária é vendida como uma solução significativa para o déficit (não é) com um imposto que teria efeito neutro sobre a atividade e a sonegação (o que não é correto). Aqui, a reforma está passando para os beneficiados a conta de carreiras que ganham quase o dobro do que é pago na iniciativa privada, onde quem quer ganhar acima do teto do INSS na aposentadoria precisa fazer poupança ao longo da vida e não conta com subsídios dos contribuintes.

A redistribuição me parece proporcional ao ganho que as carreiras mais bem pagas do setor público têm e torna o sistema mais justo. Essa interpretação, claro, é polêmica. Mas parto do princípio de que ela não levará a uma onda de pedidos de exoneração de funcionário que de repente pensarão que ganham mais indo para a iniciativa privada. E para novos concursos o efeito é neutro, já que a alíquota efetiva será igual à do INSS.