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Ruralistas jogaram água no leite liberal de Paulo Guedes

Paulo Guedes, ministro da Economia, teve de negociar uma sobretaxa ao leite em pó importado. Foto: Wilson Dias / Agência Brasil (Foto: )

A bancada ruralista mostrou nesta semana que tem força suficiente para limitar as ações de liberalização econômica propostas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Em meio a estudos sobre abertura comercial, reforma da Previdência e redução de subsídios, Guedes teve de ouvir do Ministério da Agricultura a lamentação sobre o fim de medidas antidumping contra o leite em pó importado da União Europeia e da Nova Zelândia. O resultado foi o anúncio de uma sobretaxa.

Depois do anúncio, o presidente Jair Bolsonaro elogiou a medida pelo Twitter. Seria um belo acordo para produtores e consumidores brasileiros, segundo ele. Essa manifestação é tão simbólica quanto o que Bolsonaro já falou sobre reforma da Previdência – para ele a idade mínima não pode ser tão alta quanto quer a equipe econômica. No caso do leite, o presidente parece ter comprado a tese econômica de que consumidores se beneficiam de sobretaxas a produtos importados.

Questões tarifárias no mercado agrícola são complexas porque envolvem as negociações comerciais mais difíceis. Os países ricos usam amplamente subsídios pesados para sustentar seus produtores. E os protegem com taxas de importação que sobrevivem às rodadas em que se negociam reduções tarifárias.

Isso leva muitos políticos a quererem interpretar a ciência econômica de trás para a frente, dizendo que as tarifas beneficiam os consumidores. Essa é uma retórica completamente errada. Consumidores se beneficiam de preços mais baixos. Para eles, estaria tudo certo se os europeus quisessem dar leite de graça. A sobretaxa faz com que os preços internos sejam mais altos do que seriam na ausência dessas medidas, transferindo dinheiro dos consumidores para produtores e o governo (no caso de ainda haver alguma importação).

É claro que, na prática, a teoria esbarra na pressão exercida por grupos de influência – no caso do leite, uma bancada ruralista bastante forte. A Secretaria de Comércio Exterior (Secex) fez no ano passado uma avaliação sobre a medida antidumping sobre a entrada de leite em pó da UE e da Nova Zelândia, chegando à conclusão de que não há dumping. Ou seja, esses parceiros comerciais não estão vendendo o produto abaixo do preço de custo para inundar o mercado brasileiro. O Brasil, na verdade, não importa mais leite neozelandês e traz muito pouco leite europeu, efeito de 18 anos de sobretaxa.

Também não cola a ideia de que estamos protegendo milhares de produtores locais e mantendo sua competitividade no mercado internacional. Se não há dumping e esses produtores não conseguem competir com importados que pagam tarifa de 28% é porque há algo de muito errado com a produtividade brasileira. Eles deveriam estar exigindo melhor infraestrutura, acesso a tecnologias (muitas delas caras justamente por causa de tarifas de importação e outras barreiras) e mão de obra qualificada. A sobretaxa não deixa ninguém mais competitivo, pelo contrário.

Para os produtores rurais, no entanto, a conclusão da Secex é irrelevante. Nem mesmo a tarifa normal de 28% sobre a importação de leite em pós é suficiente para proteger os produtores nacionais da ameaça europeia. Ao mesmo tempo, produtores uruguaios e argentinos, entre outros, têm preferência para exportar ao Brasil sem essa mesma tarifa. O pedido de manutenção da sobretaxa parece mais político do que econômico, já que o comportamento da UE tem sido de manter inalterada sua política de subsídios e tarifas que impedem a entrada de produtos brasileiros.

Você pode argumentar que é preciso jogar duro com os europeus porque eles são hipócritas quando o assunto é comércio. O Mercosul negocia um acordo com a UE há mais de uma década e sempre esbarra na dificuldade de colocar a abertura a produtos agrícolas na pauta – ao mesmo tempo em que europeus têm dificuldade de ampliar a oferta do Mercosul em produtos industriais. Mas não pode dizer que isso será bom para os consumidores.

Paulo Guedes foi pragmático. Precisa do apoio dos ruralistas para aprovar a reforma da Previdência. E nesse quesito tem também de vencer resistências. Na tentativa de reforma feita pelo governo Michel Temer, as mudanças nas aposentadorias rurais simplesmente sumiram do texto aprovado na comissão da Câmara. Se quiser voltar com esse assunto, Guedes precisa demonstrar boa vontade com outras pautas, inclusive com o financiamento para a safra agrícola, que recebe subsídios bilionários. Mais uma pauta difícil de engolir para quem pretende dar um choque liberal na economia.

Como disse a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o desmame não pode ser radical.

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