O ministro Ricardo Lewandowski deu o tom de como é visto do lado de lá o aumento de 16,38% que será concedido para os ministros e, por consequência, toda a magistratura: “modestíssimo”. Se é assim, seria melhor que tivessem acertado um número mais vistoso, talvez arredondado. Minha sugestão é R$ 100 mil para começar a conversa, em vez de R$ 39 mil.
Um salário de R$ 100 mil para um ministro do STF parece absurdo, mas traduziria bem o modo como o funcionalismo enxerga seus vencimentos, uma espécie de direito adquirido que não está sujeito à capacidade de pagamento do Estado. Os ministros estão conscientes de que a decisão de quarta-feira terá um efeito em cascata calculado em R$ 3 bilhões justamente em um momento em que se pede da população sacrifícios para o até agora malfadado ajuste fiscal.
Não me oporia a um salário de seis dígitos aos 11 ministros se a conta parasse por aí. Afinal, eles são em tese os protetores dos nossos direitos constitucionais e estão de fato no topo da cadeia do funcionalismo, como prevê a Constituição. Na prática, porém, o teto salarial imposto pelo texto constitucional virou uma mentira, contornado por penduricalhos e perseguido por milhares de funcionários de todos os poderes que têm seus vencimentos muitas vezes superiores aos dos ministros graças aos benefícios que não são sujeitos ao “abate-teto”. O salário dos ministros virou lugar-comum e não a exceção para os 11 magistrados.
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É por isso que a pressão maior pelo reajuste não vem dos gabinetes do STF, mas das entidades de classe que dependem dessa decisão para disparar o gatilho dos reajustes pela cascata do serviço público. Se o STF ignora esse efeito, é preciso uma reforma profunda do funcionalismo que desvincule vencimentos e torne o teto algo que não permita a centenas de pessoas terem vencimentos iguais aos dos ministros da corte suprema. A reforma também poderia alinhar os salários de entrada ao que é praticado no mercado para reduzir a vantagem concedida a quem trabalha no setor publico. Um estudo recente do Insper mostrou que o funcionalismo federal tem remuneração 93% superior à da iniciativa privada.
Mas isso não passa pela cabeça dos seis ministros que votaram a favor do reajuste, entre eles Luiz Fux, o relator da ação sobre a legalidade do auxílio-moradia que tramita no STF. O auxílio é pago desde 2014 com base em uma liminar de Fux e custa em torno de R$ 1 bilhão por ano ao Judiciário. O benefício já foi estendido a outras categorias, como procuradores e defensores, e se alastrou pelos estados. Com a repercussão negativa do benefício, que ameaçava fazer cair o penduricalho, Fux retirou o tema da pauta e mandou o assunto para a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF).
Os ministros que votaram a favor do aumento têm razão quando argumentam que existem recursos na magistratura para o pagamento. Os orçamentos no Brasil são feitos de uma forma em que se criam “ilhas” fiscais, em especial no Judiciário e no Legislativo, que contam com um naco permanente da receita, não importando o que acontece no mundo real das finanças públicas. Ninguém ali, é claro, vai querer discutir um orçamento “base zero”, feito a partir de escolhas baseadas em custo-benefício, e não na divisão de recursos feita em lei.
São muitos os artifícios construídos para sustentar os salários nitidamente fora da realidade no setor público – uma despesa que cresce sistematicamente mais do que o PIB. Se eles não existissem, o salário dos ministros do STF seria o menor de nossos problemas.
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