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O Brasil tem hoje US$ 381 bilhões em suas reservas internacionais. É um caminhão de dinheiro, algo em torno de R$ 1,5 trilhão, uns 40% da dívida mobiliária federal, de R$ 3,7 trilhões (os títulos em poder do mercado). E hoje há alguns candidatos de olho nessa quantia para cumprir algumas promessas de campanha. Uma ideia tão sedutora quanto ruim.

Na campanha, Ciro Gomes (PDT) e representantes do PT de Lula vêm falando em usar as reservas para estimular a economia. Ciro já disse em entrevistas que pode usar uma parte (ele já falou em US$ 160 bilhões e US$ 30 bilhões) para gastos em infraestrutura. Ele faria isso via capitalização do BNDES. O PT propõe em seu plano de governo o uso de US$ 30 bilhões para gastar em infraestrutura.

É o pensamento mais simplista possível que permite esse tipo de proposta. Os candidatos enxergam as reservas internacionais como dinheiro parado na conta. E quem deixaria essa grana toda lá nos Estados Unidos, ou onde quer que esteja, se precisamos fazer obras e gerar empregos?

Se fosse tão simples, acredito que o governo de Michel Temer já teria feito esse caminho para tirar o país da recessão. Mas as reservas até aumentaram um tico nos últimos dois anos. Se valesse o pensamento do PT e do PDT, o Banco Central teria aumentado a recessão comprando dólares no mercado.

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Na prática, o funcionamento das reservas não é o de uma conta bancária, mas o de estoque de ativos e passivos geridos pelo Banco Central. A autoridade monetária recebe ativos do Tesouro (títulos) para fazer sua política monetária e ela escolhe algumas direções para geri-los, inclusive com o investimento em reservas. Na outra ponta, o BC tem um passivo na conta com o Tesouro. Ou seja, não tem dinheiro nenhum na conta.

A atual política de acúmulo de reservas começou no governo Lula, o mesmo que agora quer US$ 30 bilhões para infraestrutura. O propósito do BC foi acumular ativos em moeda estrangeira como um seguro contra a volatilidade no mercado cambial. Com as reservas de hoje, o BC tem capacidade para atuar diretamente se precisar controlar um movimento de valorização do dólar fora do normal.

Todo seguro tem um custo, que é representado nas perdas contábeis trazidas pela manutenção das reservas. Elas são remuneradas a uma taxa menor do que corre o passivo do BC com o Tesouro – fora a variação cambial, fator que pode fazer com que o BC inclusive tenha lucro na operação e possa devolver recursos para o Tesouro.

É importante deixar claro que o BC, quando compra dólares no mercado para formar as reservas, “esteriliza” os reais que coloca no mercado com a venda de títulos do Tesouro. Quando fizer a operação contrária, o BC recolherá esses títulos para não provocar uma recessão com a retirada de reais em circulação. Nada disso passa pelo caixa do governo. Não existe dinheiro para o governo gastar em infraestrutura, a não ser que ele queira aproveitar o movimento de retirada de títulos do BC para fazer mais dívida com o mercado.

O ponto central que pode ser questionado na política de reservas é seu custo de manutenção. Alguns economistas já argumentam que o Brasil não precisa mais acumular reservas e há até o argumento de que seria bom se o BC vendesse uma parte para reduzir o endividamento. Aqui, há duas ressalvas muito importantes: é muito difícil estimar qual o volume ideal das reservas; o impacto de uma redução das reservas seria na dívida bruta (de R$ 5 trilhões) e não na dívida em poder do público (R$ 3,7 trilhões).

Na contabilidade pública, os títulos do governo nas mãos do BC e as reservas contam como ativos. Hoje, a dívida líquida é de 51% do PIB, enquanto a dívida bruta é de 77% do PIB. Em geral, o mercado olha mais para a dívida líquida, mas isso mudou quando os governos do PT passaram a fazer dívida para financiar o BNDES – como o dinheiro foi emprestado para empresas, a dívida líquida (sem os repasses ao banco) não passou a representar o risco real do endividamento. Nas duas medidas, no entanto, a dívida brasileira é alta. Aliviar a dívida bruta em troca de menor proteção cambial pode ser um tiro no pé, como mostra a evolução recente do câmbio por causa da tensão política.

Para quem quer entender melhor a problemática das reservas, recomendo a monografia vencedora do XXII Prêmio Tesouro Nacional, escrita por Josué Alfredo Pellegrini (disponível aqui). Ele mostra claramente a dificuldade nessa tomada de decisão e chama a atenção para o fato de que qualquer movimento nas reservas precisa ser lento para não provocar choques na economia. E ele diz ainda quais são os risco de usos alternativos das reservas, que na prática só fariam aumentar o endividamento líquido, aquele que não tem ativos como garantia na outra ponta. Em outras palavras, um jogo perigoso para um país que já é o emergente mais endividado do mundo.

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