A história do desenvolvimento econômico é cheia de casos de tecnologias que entregam o que se pretende, mas com efeitos colaterais mortíferos. O caso das barragens brasileiras é mais um deles. O triste é que precisamos de mais de um desastre para admitir isso.
Na semana passada, a Alemanha decidiu acabar com a produção de energia elétrica em usinas a carvão. A data final é 2038. Para ver como é difícil lidar com a questão do custo-benefício tecnológico. Usinas a carvão emitem gases do efeito estufa e outros poluentes que causam a morte – a poluição do ar mata 7 milhões de pessoas por ano no mundo todo, segundo a Organização Mundial da Saúde.
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Para substituir uma tecnologia, você geralmente precisa de outra. Usinas fotovoltaicas e eólicas são soluções com impactos menores do que usinas a carvão, mas carregam o problema ainda não solucionado da falta de previsibilidade: ventos e o sol são fenômenos não controlados. Muitos especialistas defendem a construção de usinas nucleares, que também carregam riscos. No fim, a decisão pode recair no menor risco possível com um custo que seja sustentável economicamente. Por isso o prazo longínquo de 2038.
Muitas vezes os efeitos da tecnologia demoram a aparecer. Um dos casos mais conhecidos é o do CFC, a substância usada durante várias décadas em geladeiras e outros sistemas de refrigeração e que provoca danos na camada de ozônio. Somente na década de 80 a questão sobre o CFC ganhou notoriedade e se buscou um substituto. Um acordo internacional permitiu que a substância fosse banida.
Uma curiosidade histórica triste é o fato de o CFC ter sido inventado por Thomas Midgley Junior, que também desenvolveu o chumbo tetraetila, usado como aditivo na gasolina. Depois de décadas de uso, descobriu-se que o chumbo é extremamente tóxico e ele foi sendo banido por vários países.
Quando os primeiros automóveis começaram a circular, vieram junto os primeiros acidentes de trânsito. Muita gente achava melhor proibir os carros de uma vez por todas, mas seus benefícios para a mobilidade levaram à sua regulação. Mesmo com carteiras de habilitação e regras de trânsito, o uso de automóveis está associado a milhares de mortes por ano, um problema que envolve de perto a indústria automotiva, muitas vezes resistente à obrigatoriedade de equipamentos, como ABS e airbags, e a limites de velocidade. É o típico caso em que o custo de banir a tecnologia é maior do que o de regulá-la da maneira mais firme possível (questão na qual o Brasil deixa a desejar, com suas quase 40 mil mortes no trânsito por ano).
O país perdeu a oportunidade de debater sobre as barragens com alteamento a montante depois do desastre de Mariana. Essa é uma tecnologia barata, que viabiliza minas de ferro em algumas regiões do Brasil, mas bastante instável. O Ministério Público Federal recomendou em 2016 que não fosse autorizada a construção de novas barragens desse tipo, já proibidas em outros países, como Chile e Peru. Minas Gerais chegou a suspender o licenciamento de novos projetos com esse método, mas um projeto de lei que endurecia a regras para o setor mineral empacou na Assembleia Legislativa do estado.
A barragem que se rompeu na sexta-feira é da década de 70. A Vale diz que fez tudo o que manda a lei para monitorar sua estabilidade, o que pode até ser verdadeiro. O problema, no entanto, pode ser que a regulação sempre será insuficiente para lidar com esta tecnologia. O debate agora, é se ela deve sobreviver a mais um desastre, ou se devemos abandoná-la de vez, incluindo o descomissionamento das barragens existentes. Há bons motivos para a sociedade desejar a essas barragens o mesmo destino das usinas alemãs.
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