Está sendo elaborado um plano no governo para isentar cidadãos de quatro países, entre eles Estados Unidos, do pedido de visto para vir ao Brasil. Seria uma concessão sem pedido de reciprocidade, algo incomum em relações internacionais. O debate seria secundário se não tivéssemos outros dois fatos semelhantes vindos de Brasília: a transferência da embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém e a malfadada ideia de permitir a instalação de uma base americana no país.
O episódio do visto é o que pega mal na classe média-alta brasileira, que precisa se submeter a uma enorme burocracia para conseguir viajar aos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão, os quatro países que estão na lista de isenção proposta no governo. A corrente majoritária em relações internacionais diria que o Brasil precisa manter uma reciprocidade no tratamento como forma de não permitir um tratamento pior a seus cidadãos em outros países. Se país A pede um carimbo, o Brasil também pede até os dois entrarem em acordo.
Já houve diversas conversas com os EUA sobre concessão de visto e elas nunca levaram à isenção do pedido prévio no país de origem. O que se conseguiu foi uma melhora no processo, com maior agilidade no envio de formulários e a retirada de entrevistas (no caso dos EUA, para brasileiros jovens e idosos ou para quem está renovando o visto).
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A imigração é algo sensível para os quatro países que seriam agraciados com a concessão brasileira. Em todos os casos, há políticas para a entrada ordenada de imigrantes e o receio da chegada de pessoas com baixa qualificação que queiram permanecer ilegalmente no país. A regra de visto prévio serve para frear cidadãos de países que têm o perfil para essa permanência ilegal. Como é claro que a maioria dos turistas brasileiros indo para Miami não é formada por imigrantes ilegais, há uma questão de afirmação na manutenção da reciprocidade.
Os outros dois casos de ação internacional sem reciprocidade estão em contextos geopolíticos ainda mais complicados. O presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar em uma entrevista na TV que aceitaria a instalação de uma base militar americana no país. Não se sabe nem se houve um pedido formal para tal. Os militares receberam a declaração como um sinal de fraqueza, como se o Brasil não tivesse capacidade de defesa. Diante do cenário político-militar da América do Sul, não há ameaça com a qual o país não consiga lidar. Logo, a ideia, sem nenhuma troca recíproca (que tal uma base brasileira em solo americano?), soa como pedido de ajuda.
A transferência da embaixada brasileira em Israel também vai ser barata para a política nacionalista israelense. Nesse caso, Bolsonaro atende à pressão de parte de líderes evangélicos, semelhante à que levou os Estados Unidos sob Donald Trump a fazerem a mesma coisa. Talvez não seja um caso de reciprocidade, e sim de vontade ideológica. Mas não houve negociação alguma que leve a opinião pública brasileira a crer que o país ganha qualquer coisa com isso.
Em negociações comerciais, o princípio é semelhante, com algumas particularidades. É possível reduzir unilateralmente tarifas e permitir a entrada de produtos importados com base no argumento do benefício ao consumidor interno. Aqui, o princípio é o de que a medida precisa ser para todos os países ao mesmo tempo, sem exceções. Se você quiser baixar para um país específico, existe o caminho da negociação comercial, em que cada lado faz concessões. Sem essa reciprocidade, a redução de tarifas para países específicos ocorre com o argumento humanitário, como no programa dos EUA de preferências para países menos desenvolvidos.
O comportamento da política externa de um país reflete como ele se enxerga. É por isso que o princípio da reciprocidade é uma proteção para que uma nação não dê a impressão de que é formada por cidadãos de segunda classe. Isso não significa que concessões não sejam necessárias em alguns momentos para o andamento de uma agenda de cooperação, desde que não pareça um ato depreciativo. O visto tem esse poder simbólico da depreciação.
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