| Foto: David Mark/Pixabay
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“Por uma variedade de razões, é chegado o tempo de tentar a reconstrução de uma cosmovisão unificada – uma cosmovisão que relacione a vida humana, tanto ao mundo natural quanto à base transcendente da natureza.” (George Ellis e Nancey Murphy)

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Foi a leitura do excepcional trabalho conjunto do físico George Ellis com a teóloga Nancey Murphy, Sobre a Natureza Moral do Universo, há alguns anos, que me apresentou ao argumento de Stephen Toulmin em Cosmópolis: a agenda oculta da modernidade. Ellis e Murphy recorrem ao livro de Toulmin – que já é antigo, passando de seus 30 anos – para levantar um problema atualíssimo.

A questão, em poucas palavras, é que viver num universo fragmentário inviabiliza a unidade da ação e a cooperação humana. O bom senso nos diz que adotar sistemas morais nos quais a nossa ciência e a nossa relação com o meio ambiente não se integram é uma escolha com baixa probabilidade de sucesso. Um exemplo disso, conhecido por todos, é o perene conflito entre as ciências naturais e as humanidades, em assuntos como, por exemplo, a explicação da vida social humana.

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Um assunto urgente me motivou a “desenterrar” a Cosmópolis toulminiana: de algum modo o atual impasse na percepção e no enfrentamento da crise ambiental requer uma revisão dos “universos” nos quais habitamos. Tenho a nítida impressão de que, a despeito da ciência climática e ambiental moderna, vivemos em mundos morais nos quais a consciência ambiental não se encaixa bem.

A modernidade racionalista

Toulmin ofereceu nessa obra uma genealogia da modernidade – uma entre várias, mas que ganhou seu lugar. Foi apreciada por Bruno Latour, que escreveu Jamais Fomos Modernos no ano seguinte. Toulmin levanta uma séria interrogação sobre a genealogia “oficial”, dominante em torno de 1930 e recebida por ele quando estudante, de que a modernidade teria nascido no princípio do século 17, quando uma era extraordinária de paz, prosperidade econômica, liberdade intelectual e confiança na racionalidade permitiram o florescimento da ciência moderna e de um novo método filosófico muito mais racional e rigoroso. Por volta dos anos 1630 foram publicados o Discurso do Método por Descartes e o Diálogo Sobre os Dois Máximos Sistemas por Galileu, ícones dessa transformação. Tal alvorada intelectual teria conduzido o Ocidente à riqueza, a novas instituições políticas, à democracia, a um afastamento do dogmatismo religioso e à estabilidade.

Toulmin recusa essa interpretação apontando que, pelo contrário, o século 17 foi um período de grande ansiedade, incerteza, crise climática (quando se deu a “pequena era do gelo”) e, acima de tudo, guerra: a Guerra dos Trinta Anos, entre protestantes e católicos, que dizimou parte da população europeia até a paz de Westfália (1648) e a instauração do moderno sistema de Estado-nação. Tudo preanunciado pelo grande desastre político do século, com o assassinato do conciliador rei Henrique IV em 1610. Longe de ser uma era de tolerância, era o tempo da perseguição de Galileu, da paixão política de Oliver Cromwell, da guerra religiosa e do radicalismo dos revolucionários puritanos.

De algum modo o atual impasse na percepção e no enfrentamento da crise ambiental requer uma revisão dos “universos” nos quais habitamos

Nosso filósofo faz coro às interpretações de Descartes por John Dewey e Richard Rorty, segundo os quais seu estilo filosófico centrado na busca da certeza, no controle dos processos de justificação e na expectativa de construir o edifício das ideias a partir do zero, de uma “tábula rasa”, um ponto de partida sobre o qual todos os homens pudessem concordar, era uma espécie de sintoma. Uma tentativa narcisista de obter estabilidade, segurança e controle apelando à ciência e a “universais”, eliminando a incerteza, as emoções, as particularidades humanas, e a localidade.

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Ou seja, a insegurança, o medo do relativismo e da particularidade e a sombra da guerra teriam levado a um enrijecimento da consciência europeia, e a uma crença na crença, uma obsessão por provas, certezas e acordos. “A incerteza havia se tornado inaceitável.”

E assim teria se constituído a “Cosmópolis” moderna, na qual o estilo filosófico cartesiano se integrava com uma visão científica newtoniana e “orbital” do mundo físico, como um mundo racional e estável girando ao redor de um eixo; e uma visão equivalente da sociedade como um sistema também “orbital”, fundado e centrado na razão autônoma e positiva, e encarnado no sistema de Estado-nação. Um grande sistema cosmopolítico de consensos, poderes centrais, racionalismo e obsessão por estabilidade. Essa modernidade, gestada nos anos 1630, teria durado até os anos 1930. Ou deveria ter se encerrado ali, não fossem os esforços de sobrevida, como se viu no neocartesianismo dos positivistas lógicos e nos desastres nacionalistas da Segunda Grande Guerra.

Mas por que “cosmópolis”? O conceito, na compreensão de Stephen Toulmin, junta duas formas de ordem: a ordem “natural”, ou cosmos, e a ordem “social”, ou polis:

“Desde o princípio da sociedade humana de larga-escala, as pessoas se se interrogaram sobre as ligações entre cosmos e polis, a Ordem da Natureza e a da Sociedade. Muitas culturas sonharam como uma harmonia geral entre a ordem dos céus e a ordem da sociedade humana.”

Uma Cosmópolis é um universo; mais do que um mapa teórico da realidade, é a própria realidade, mas cortada por trilhas, dividida e seções e sinalizada com placas. É um sistema de vida.

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Outra modernidade

Para Toulmin, essa versão reativa e historicamente embelezada de modernidade oculta uma outra fonte da modernidade, no século 16. Antes do assassinato de Henrique IV, das guerras e da obsessão racionalista por estabilidade, prevaleceu, por um curto período, o espírito do humanismo europeu. Aqui o herói de Toulmin é Montaigne, acompanhado por Erasmo de Roterdã, Maquiavel, Francis Bacon e Shakespeare, entre outros. Sob influência do epicurismo, esses pensadores seriam críticos do dogmatismo, do radicalismo religioso, e céticos sobre a possiblidade de soluções metafísicas finais e universais; mas eram, por outro lado, mornamente religiosos e afeitos a aventuras amorosas; amantes das coisas humanas, da particularidade, da localidade, e da razão prática; mas, acima de tudo, amantes da tolerância.

As vagas da modernidade racionalista, no século 17, teriam submergido essa modernidade humanística, no entanto, inviabilizando o pluralismo, a tolerância, o entendimento entre os diferentes e uma compreensão da ciência mais aberta aos assuntos e coisas humanas, típicas do pensamento retórico e da ética prática. Até que, pelos fins do século 19, os sinais de fadiga começam a se apresentar. Mas, embora já se anunciando em movimentos intelectuais e artísticos desde o princípio do século 20, o retorno do humanismo foi atrasado por décadas. Foram necessárias duas grandes guerras para levar ao colapso do grande sistema orbital moderno.

Uma Cosmópolis é um universo; mais do que um mapa teórico da realidade, é a própria realidade, mas cortada por trilhas, dividida e seções e sinalizada com placas. É um sistema de vida

A outra modernidade, humanista e tolerante, teria lutado para sobreviver, colocando a cabeça para fora d’água vez por outra, até seu grande retorno finalmente ser possível nos anos 1960, com a contracultura. A cosmovisão científica newtoniana já havia entrado em crise; faltava apenas a revolução moral dos anos 1960, que vitoriosamente recusou os autoritarismos, a uniformidade, o racionalismo, e buscou o fim das dicotomias. Reunir razão e emoção, questionar a hegemonia do Estado, incorporar a consciência ecológica e o sentido de interdependência, combater as desigualdades e defender as minorias, recusar a moralidade sexual tradicional e o casamento; enfim, derrubar a velha Cosmópolis moderna.

Humanizar a modernidade?

A essa altura devo dizer que as inclinações pós-modernas de Toulmin parecem excessivamente otimistas, fato apontado repetidamente por alguns leitores. Como se o pluralismo fosse uma bênção sem ambiguidades. Para seu mérito, no entanto, o autor admite que não temos de escolher entre o humanismo do século 16 e a modernidade científica do século 17, mas manter o que é mais interessante nos dois. Ele propõe, então, “reformar, e mesmo reclamar a nossa modernidade herdada, humanizando-a”.

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Mas como se humaniza a modernidade? Toulmin não quer abandonar a ciência, a tecnologia e as outras benesses modernas. Sua proposta é abandonarmos as ênfases na estabilidade, uniformidade, certeza racional e o método “orbital” centrado nas ciências duras e em forças centrais, universais e imutáveis, para assumir uma visão pluralista das ciências, promover a diversidade e a adaptabilidade. A filosofia, em vez de sistematizar e abstrair, deveria recuperar sua veia prática e humanística. Deveríamos voltar ao particular, ao local, e respeitar a tradição, abandonando de vez a ideia de “tábula rasa”.

Até aqui minhas intuições são congêneres às do grande filósofo. Mas passemos ao que é melhor e pior no seu argumento.

Uma Cosmópolis ecológica?

Perto do fim da obra, Toulmin deixa a prosa histórica e analítica e se arrisca a incursões clínicas, por assim dizer; ou até visionárias. E, especulando sobre o que construir ou reconstruir diante da crise da modernidade, ele aponta o que parece ser, realmente, um claro marcador de outra cosmpolítica: a mente ecológica.

“Em uma modernidade humanizada, ideias e métodos ecológicos de pensamento serão crescentemente modelares tanto no debate científico quanto filosófico. Significa isso que poderemos também substituir a Cosmópolis moderna, baseada na estabilidade do sistema solar, por uma Cosmópolis ‘pós-moderna’ baseada nas ideias de ecossistemas e de adaptabilidade?”

A resposta de Toulmin é “sim” e “não”. Sim, se nos referimos a uma perspectiva descentralizada, que enfatiza a diversidade, igualdade e adaptabilidade, que não privilegia a estabilidade e o centralismo. Não – e esse ponto é muito importante – se nos esquecemos que as analogias da natureza, transportadas para a sociedade, tendem a naturalizar posições sociais e hierarquias de dominação. Sim, aqui Toulmin é um progressista moderno, como qualquer outro; seu interesse em usar a analogia ecológica é qualificado por sua força emancipatória. Mas ele é mais otimista que pessimista sobre o seu uso.

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“Uma Cosmópolis ecológica poderia evitar a objeção à qual a imagem anterior, astronômica, estava sujeita: ou seja, que era arbitrária e opressiva em seu efeito. A biologia provê menos analogias constritivas para pensar as relações sociais do que a física. No mundo orgânico, a diversidade e a diferenciação são a regra, e não a exceção, enquanto a universalidade das teorias físicas é rara... um modelo ecológico abre as possibilidades para a diversidade e a mudança, e assim pode ser emancipatório.”

Ora, tudo isso é profundamente... moderno.

Cosmópolis sem centro?

Devo dizer que, de todos os trechos problemáticos no livro de Toulmin, esse último é, talvez, o mais ingênuo de todos. Enfim, todas as analogias da natureza têm um potencial para justificar a violência, e a analogia ecológica de modo algum oferece menos riscos que as analogias físicas. Ambiguidades morais pululam a biologia de nosso planeta.

Ao mesmo tempo, concordo com Toulmin aqui, e talvez por uma razão que não o agradaria muito: o fato é que os excessivos ideais emancipatórios do homem moderno, seja em sua versão universalista do século 18, seja em suas versões pluralistas e atomizadas do século 21, são incompatíveis com os limites da natureza humana e com a dimensão comunitária da nossa experiência, segundo temos frequentemente apontado por aqui, recorrendo a gente como Michael Sandel, Patrick Deneen ou até Charles Taylor.

Ecologia realmente sugere adaptabilidade, mas também simbiose, convivialidade, limites, finitude e competição, atingindo diretamente a dimensão narcisista e “orbital” do pensamento moderno. Sei que alguns leitores por aqui têm dificuldade para ver com bons olhos qualquer coisa associada ao ambientalismo moderno, mas eu gostaria de sugerir que consideremos o potencial conservador do pensamento ecológico. Pois ao abandonar a ênfase na centralidade da razão, da ciência e do poder estatal, a mente hipermoderna não deixa de ser orbital. A centralidade do Self, da autenticidade e das emoções, que tantas vezes temos enfatizado por aqui, é certamente orbital. Do Estado ao Self, vivemos ainda na mesma estrutura anticomunitária. Apenas deixamos a versão autoritária para a versão narcisista (se é que deixamos).

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Os excessivos ideais emancipatórios do homem moderno, seja em sua versão universalista do século 18, seja em suas versões pluralistas e atomizadas do século 21, são incompatíveis com os limites da natureza humana e com a dimensão comunitária da nossa experiência

Além disso, a tribalização generalizada, refletida tanto nos nacionalismos de direita quanto nos movimentos identitários, nos sugere que o relativismo e o pluralismo podem ser bastante perigosos. A perda do tecido social e de um universo compartilhado liberta pessoas oprimidas, mas também traz desentendimentos e violência. No entanto, Toulmin parece isolar os momentos de colapso social e político da destruição dos consensos cosmopolíticos, como se uma coisa nada tivesse a ver com a outra.

“Em torno de 1914, então, o terreno intelectual e artístico estava pronto para um reavivamento do humanismo Renascentista: para uma reintegração da humanidade com a natureza, uma restauração do respeito pelo Eros e as emoções, por instituições transnacionais efetivas, pelo relaxamento dos tradicionais antagonismos de classes, raças e gêneros, uma aceitação do pluralismo nas ciências, e uma renúncia final do fundacionalismo filosófico e da Busca pela Certeza. O terreno estava pronto, mas o tempo ainda não estava maduro: uma revolução estava sendo feita, mas seus beneficiários não estavam prontos para recebê-la. Em vez de buscar as possibilidades abertas pela demolição da cosmovisão ‘moderna’, as pessoas tiveram que aprender da forma difícil. Trinta anos de massacres em nome da religião precederam a constituição do moderno sistema de Estado-nação: trinta anos de massacres em nome da nacionalidade foram necessários antes que os europeus e americanos estivessem prontos para reconhecer suas limitações.”

Ora, me parece evidente que a tribalização da política, a incerteza sobre cultura e valores e a falta de consensos estão diretamente associados à anomia e ao colapso social. Substituir um universo ordenado e compartilhado por um universo fragmentário tem um preço, e esperar que isso aconteça sem sangue é uma ilusão utópica. Um universo precisa ter coerência para funcionar como tal, e inevitavelmente terá um centro.

Continuamos orbitais como sempre

Esse me parece um dos aspectos mais irrealistas do argumento de Toulmin. É verdade que a Cosmópolis medieval ruiu, e que o interregno renascentista trouxe um tempo de tolerância, oxigenação espiritual e liberdade. No entanto, os distúrbios do século 17 não vieram do nada; o processo de fragmentação teológica, política e moral da Europa realmente criou uma situação insuportável de conflito generalizado, e sob essa ótica os esforços de Leibniz para construir uma linguagem universal da razão são perfeitamente compreensíveis. Do mesmo modo deveríamos pensar sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que buscou lançar bases morais e legais universais e alcançar consensos entre pessoas e nações, e não apenas limitar o poder dos Estados nacionais.

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Consideremos o mundo após 1990: a Conferência dos Direitos Humanos de Viena, em 1993, procurou recuperar e reunir os avanços em Direitos Humanos até aquele ponto, e obter uma nova síntese para afirmar a universalidade, indivisibilidade e interrelacionalidade dos Direitos Humanos. A crise dos Bálcãs e de Ruanda levou ao estabelecimento, sob o secretário Kofi Annan, do princípio da “responsabilidade de proteger”, que suspende a soberania de um Estado quando ele não é capaz de proteger cidadãos e populações de crimes contra a humanidade, em 2001. A ONU e o IPCC introduziram progressivos avanços no entendimento internacional sobre a moderna crise ambiental, e os movimentos sociais infra e supranacionais cresceram como nunca. Temos uma ecologia institucional global independente dos Estados nacionais. Finalmente, um mundo descentralizado, democrático e policêntrico, não?

Sim, e não. A partir dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e da expansão do radicalismo islâmico, o medo e os nacionalismos recrudesceram. O crescimento de estruturas de legislação, vigilância e decisão para além dos Estados nacionais e do voto do cidadão comum gerou reações locais, fomentou o nacionalismo e culminou com a fragmentação de blocos econômicos e políticos regionais (como foi o caso do Brexit, por exemplo).

Tanto os identitaristas, apoiados por um discurso mais universalista dos Direitos Humanos, quanto os conservadores, em defesa do particular e do local, tornaram-se extremamente dogmáticos e tribais

A mídias sociais exacerbaram a pluralidade de opiniões e aceleraram a fragmentação dos valores locais, ao mesmo tempo em que favoreceram uma cultura global de consumo, imagem e moralidade liberal. Além disso, a ascensão de uma classe criativa global em competição com proletariados culturais locais alimentou uma intensa polarização política e moral nos países ocidentais. Tanto os identitaristas, apoiados por um discurso mais universalista dos Direitos Humanos, quanto os conservadores, em defesa do particular e do local, tornaram-se extremamente dogmáticos e tribais.

Tudo isso indica a formação de novos centros e novas órbitas. E o efeito combinado dos neopopulismos e da pandemia do coronavírus agravou terrivelmente a situação. A indisposição de setores das populações nacionais em cooperar com medidas sanitárias de proteção alimentou o apoio a medidas estatais coercivas. Emergiu uma intensa defesa pública da autoridade da ciência. Há maior vigilância do Judiciário contra fake news e discurso de ódio. E então, o impensável: a situação de “pós-verdade”, e o novo fenômeno da “infodemia”, criou a necessidade de fact checking e o policiamento de agentes de desinformação.

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Temos, então, um novo universalismo internacionalista, baseado nos valores liberais e identitários, maior ênfase na autoridade estatal, e uma busca por certeza, prova e afirmações dogmáticas. Sob esse ângulo, o que temos, aparentemente, é uma grande crise em direção a uma Cosmópolis liberal e global, e não a uma Cosmópolis ecológica. Continuamos profundamente “orbitais”, embora de outro jeito.

E, como se isso não bastasse, nossa capacidade de responder à crise climática vem se mostrando vergonhosamente lenta.

Mas enfim, mesmo com todas essas qualificações, ainda penso que o Toulmin nos trouxe uma contribuição salutar. Como já tratamos aqui, em discussões de caráter mais teológico, Deus mesmo desce do céu para confundir as línguas, quando os homens tentam construir Babel. A ideia de uma modernidade “humanizada” faz sentido, e talvez ainda mais se falarmos numa modernidade “humilde”. Também faz muito sentido incorporarmos o modo ecológico de pensar, se isso nos tornar não apenas menos narcisistas e mais comunitaristas, mas também mais conscientes de que não podemos erigir um sistema civilizatório tratando o meio ambiente como mera matéria prima ou contingência.

A tragédia é que nossa sociedade liberal, expressivista e hiperconsumista não tem recursos para mudar sua lógica de operação. Não creio que o liberalismo progressista ou o conservadorismo político sejam capazes de nos conduzir a uma Cosmópolis ecológica. Sem mudanças espirituais radicais, seguiremos expandindo a velha Cosmópolis moderna, antropocêntrica e narcisista. E uma Cosmópolis que não seja comunitária e ambientalmente sustentável será apenas outra torre de Babel.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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