“Por quase dez anos (...) tenho me impressionado com a traição de meus companheiros intelectuais. Tenho também testemunhado a disposição de administradores, doadores e estudantes em tolerar a politização das universidades americanas por uma coalizão liberal de progressistas woke, aderentes da ‘teoria crítica de raça’, e apologistas do extremismo islâmico.” (Niall Ferguson)
Apenas alienados ou vândalos não se incomodariam com o resultado da pesquisa eleitoral do Harris Insights com o Center for American Political Studies (CAPS) da Universidade de Harvard, divulgada na semana passada, sobre a visão dos jovens americanos sobre os judeus e Israel. A pesquisa revelou que 67% dos jovens americanos entre 18 e 24 anos consideram os judeus uma “classe opressora”. Mais da metade deles acredita que Israel comete genocídio; que o Estado de Israel deve ser dissolvido e a terra, entregue ao Hamas e aos palestinos; e que o país deve negociar a paz com o Hamas. Quase metade acredita que o principal responsável pelo sofrimento do povo palestino é Israel. Além disso, mais da metade acredita que a defesa pública do genocídio de judeus não deveria ser proibida. E nada menos que um terço dos jovens acredita que o ataque do Hamas, que iniciou a guerra, não foi genocida.
Não houve consistência absoluta, já que 69% afirmaram, respondendo a outra questão, que Israel teria o direito de existir. Ainda assim, ao menos no que tange à ordem política atual, o que se vê é um crescente descompromisso, não apenas com Israel, mas também com os judeus. A diferença de opinião entre os jovens e os mais velhos, nesse assunto, é muito grande. Considerando o lugar dos judeus na história do ocidente, com ou sem lentes teológicas, está claro que estamos em um ponto de inflexão.
As presidentes de Harvard, Penn e do MIT se negaram a condenar a defesa do genocídio de judeus nos campi porque, evidentemente, tinham o rabo preso com o pensamento hegemônico em suas instituições
Que se trata de algo muito mais grave do que meras opiniões juvenis e imaturas é o que pudemos constatar no grande debate das últimas semanas sobre o crescimento do antissemitismo nas universidades e a implicação de gestores, oficiais de DEI (“Diversidade, Igualdade e Inclusão”) e acadêmicos na disseminação do antissemitismo e de um duplo padrão no trato da liberdade de expressão. O caso do testemunho das presidentes de Harvard, Penn e do MIT no Congresso dos EUA, que cobrimos nessa coluna, foi emblemático: elas se negaram a condenar a defesa do genocídio de judeus nos campi porque, evidentemente, tinham o rabo preso com o pensamento hegemônico em suas instituições. Preferiram dar a cara a tapa em público a questionar esse consenso.
Qual consenso? Os críticos das reitoras não tardaram e expor a coisa: um ominoso amálgama de identitarismo e antissemitismo. Esse tumor ideológico permite plena liberdade de expressão contra os valores, instituições e grupos históricos importantes para a cultura ocidental, ao mesmo tempo em que nega essa liberdade de expressão a cristãos e a conservadores. A querela levou à demissão da presidente da Penn University, e até o presente momento Claudine Gay, de Harvard, segue sob fogo cerrado.
Quanto aos judeus, não há dúvida sobre o seu papel: a imaginação moral ocidental é totalmente devedora desse povo; o cristianismo brotou do judaísmo, foi perseguido por judeus, depois os perseguiu duramente, e finalmente se comprometeu com a proteção do povo judeu. Para os cristãos, em particular – como temos sustentado nessa coluna –, os judeus e Israel (e separar ambos é pura desonestidade) são contexto, contradição, teste e sinal para o cristianismo. O teólogo moral Oliver O’Donovan chega a dizer que a tradição pública de Israel – fundante para a cultura e até mesmo para a política ocidental – confronta a Igreja e se cumprirá no governo futuro de Cristo.
Mas meu ponto hoje não é tanto a questão judaica, quanto essa rápida fragmentação de consensos morais elementares no ocidente, e que reverbera na Europa e na América Latina. Uma parte da juventude moderna se torna antissemita no mesmo passo em que se torna pós-cristã. Mas isso não se dá por acidente. Trata-se do resultado de um trabalho intencional de construção hegemônica pela esquerda identitária, através da tomada dos meios de produção cultural e simbólica – a universidade, o jornalismo, o marketing e a indústria do entretenimento. Esse trabalho está por trás da ruptura geracional que a pesquisa confirmou.
Em uma entrevista concedida há mais de um mês pelo historiador Niall Ferguson a John Anderson, intelectual e ex-primeiro-ministro da Austrália, o acadêmico culpou diretamente as universidades por essa ruptura geracional. E, num artigo para a The Free Press no último dia 11, traçou o preocupante paralelo entre a corrupção das universidades nos EUA, atualmente, e a cooptação de universidades de Heidelberg, Tübingen, Marburg e Berlim – as melhores do mundo, em sua época – para o antissemitismo na Alemanha dos anos 1920.
“A lição da história alemã para a academia americana deveria agora estar clara. Na Alemanha, para usar a linguagem legalista de 2023, ‘a fala virou conduta’. A ‘solução final da questão judaica’ começou como fala – para ser preciso, começou com palestras, monografias e artigos acadêmicos. Começou com as canções de fraternidades estudantis. Com velocidade extraordinária depois de 1933, no entanto, virou conduta: primeiro, discriminação pseudolegal sistemática e, finalmente, um programa de genocídio tecnocrático.”
Não haverá futuro para a cultura ocidental sem a derrota do supremacismo identitarista
O título do artigo de Ferguson? “A traição dos intelectuais” – uma referência à obra homônima de Julien Benda sobre o mergulho dos intelectuais europeus no nacionalismo e no racismo. À época do entreguerras a traição foi à direita, mas o risco pesa, agora, sobre a esquerda, hegemônica nas universidades do ocidente. O antissemitismo da esquerda e nas universidades é um problema real, que exige debate público.
Mas haveria cura para essa enfermidade? No que se refere às universidades, Niall Ferguson vê apenas um remédio: no espírito de Max Weber, a separação entre “Wissenschaft” e “Politik” – a educação superior e a pesquisa livre da militância política. Ferguson certamente sabe o que fala; foi professor em Oxford e Harvard, antes de assumir sua cadeira em Stanford, no Hoover Institution. Mas vê-se uma tensão em seu argumento: por um lado, ele sustenta que há limites morais e políticos para a liberdade de expressão, rejeitando a legitimidade do discurso antissemita nas universidades. Por outro lado, defende a neutralidade política dos acadêmicos.
Tenho a impressão de que essa tensão perpassa sua obra. Ferguson é um ateu confesso, educado como tal, mas admite abertamente que o ateísmo não tem uma boa solução para fundamentar uma ordem moral. Ao final de sua obra Civilização: Oriente versus Ocidente, por exemplo, ele reconhece a dívida da civilização ocidental em relação à ética cristã do trabalho, e lamenta: “o ocidente hoje está de fato inundado de cultos pós-modernos, nenhum dos quais contribui de maneira tão efetiva para o vigor econômico ou a coesão social quanto a velha ética protestante”. Outros historiadores, como Tom Holland, diriam que a dívida vai muito além da ética protestante.
Com todo o respeito ao eminente historiador, eu diria que a separação entre pesquisa e militância política não é suficiente para salvar a universidade moderna. Seria preciso algo mais: a restauração de uma ordem moral, na qual a integridade dos diversos bens humanos fosse respeitada, e não esmagada sob programas utópicos. Para a universidade, isso incluiria separar pesquisa e militância por amor ao saber, mas se estenderia ao reconhecimento e proteção de outros bens.
Para a sociedade, como um todo, significaria o fim da autofagia espiritual promovida pela esquerda woke. Não sei se isso é possível; mas, seja como for, não haverá futuro para a cultura ocidental sem a derrota do supremacismo identitarista.
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