Na semana passada publicamos nessa coluna um artigo sobre o tema da educação domiciliar, ou homeschooling. Na coluna de hoje apresentamos uma contribuição de Igor da Silva Miguel, pedagogo, mestre em Língua e Cultura Hebraica pela USP, e também teólogo e ministro evangélico. Há muitos anos explorando os caminhos para a educação cristã brasileira, é autor do livro A Escola do Messias (Thomas Nelson, 2021). Igor e sua esposa Juliana praticam a educação domiciliar há vários anos, e essa vivência os fez acreditar que a educação é maior do que a escola, e que o ensino desescolarizado é possível.
Educação domiciliar: um jeito diferente de ensinar e aprender
Thomas Edison, Franklin D. Roosevelt, Agatha Christie e Alexander Graham Bell, personalidades de relevância intelectual, artística e científica, foram educados em casa. Se vivessem no Brasil do século 21, veriam suas famílias sofrerem sob intensa reprimenda pública.
Com a aprovação na Câmara dos Deputados do texto-base do Projeto de Lei 3.179/2012, que regulamenta a prática do ensino domiciliar, reacendeu o debate sobre o chamado homeschooling. Em termos gerais, as objeções à prática são bem conhecidas por famílias educadoras: privação do convívio social com o diferente, incapacidade pedagógica dos pais-educadores, o risco de abuso e violência intrafamiliar.
Em nota pública, Ítalo Dutra, chefe de Educação da Unicef, fez afirmações de que a tarefa do ensino formal, quando assumida exclusivamente pela família, “traz prejuízos importantes para crianças e adolescentes”, reforçando a noção de que “a escola é fundamental para garantir o direito à aprendizagem”. Ele reforça o discurso da escola como “o principal espaço público que a criança e o adolescente frequentam e onde podem interagir com uma variedade de meninas e meninos da mesma idade”.
Percebe-se certo dogmatismo pedagógico, um do tipo que insiste em ver a escola como detentora de certa exclusividade – para não dizer sacralidade – na promoção da educação formal, social e cívica
Descartando a crítica desonesta, é certo que os objetores mantêm preocupações legítimas; mas abundam as dúvidas geradas por puro desconhecimento da prática do ensino domiciliar. Percebe-se certo dogmatismo pedagógico, um do tipo que insiste em ver a escola como detentora de certa exclusividade – para não dizer sacralidade – na promoção da educação formal, social e cívica. Sem descartar sua indispensável importância, convido o leitor a um olhar mais realista e menos idealista sobre a escola.
Escola como invenção histórica
A escola é uma instituição com origem histórica – uma obviedade –, mas é incrível observar como ela foi naturalizada, ao mesmo tempo em que a família, essa sim com sua base natural, foi desnaturalizada. Esquecemos que a escola é uma invenção cultural e não tem origem natural como a família.
O fato de a escola ser uma invenção não é, naturalmente, um problema em si. À medida que nossa sociedade foi se tornando mais urbana e complexa, diferenciando-se em distintos campos sociais e culturais, emergiu uma diversidade de novas funções e atividades. O fenômeno continua e, por consequência, requer novos conhecimentos e competências técnicas e sociais de seus membros. Saberes que, na maioria dos casos, escapam ao domínio de uma única família.
Como observei em reflexões anteriores, o espírito protestante teve um papel fundamental na noção da escola como um lugar de universalização de conhecimentos formais em sociedades modernas. Encontramos em Johannes Amos Comenius (1592-1670) uma figura emblemática. O educador e teólogo protestante tcheco já se ocupava de sua pansofia, considerando que tudo deveria ser ensinado a todos, a partir de materiais e estratégias didáticos adequados, afirmando em sua Didacta Magna o lugar da escola como um lugar de oferta acessível e ampla para todas as classes sociais e gêneros.
Sociedades complexas exigem saberes igualmente complexos, que quase sempre transcendem o escopo e repertório cultural e econômico da maioria das famílias. Daí a necessidade de se criar instituições nas quais especialistas tornam esses saberes e competências acessíveis ao maior número possível de alunos. Dessa forma, a escola ampliaria as oportunidades de inserção socioeconômica, a democratização e universalização dos novos saberes exigidos em sociedades modernas. Dizer, portanto, que a escola é uma instituição histórica não é, em primeiro lugar, uma crítica, mas um reconhecimento de sua função orgânica para nossas sociedades complexas.
Escola e família
Isso dito, devemos observar que o dualismo família-escola, amplamente sentido por pais e educadores, é uma patologia resultante da tensão entre público e privado, imposta pela imaginação liberal iluminista. Ou seja: a escola participa e reproduz organicamente paradoxos da civilização moderna.
Na verdade, a escola deveria sempre ser vista como uma agremiação de famílias. Apesar do atual esforço legal e pedagógico para aproximar famílias da escola, ele parece artificial demais para uma adesão e participação reais. Isso se deve em grande medida porque a escola pública possui uma presença muito forte do Estado, com políticas de cima para baixo. Essa presença estatal densa nas escolas, infelizmente, corroeu qualquer lembrança do que a escola já foi ou deveria ser: uma agremiação orgânica de famílias e professores que planejam, pensam e acompanham a educação de sua comunidade.
Quando uma família matricula seus filhos em uma escola, ela os confia a profissionais da educação, a um projeto pedagógico e a um currículo. Isso não pode ser trivializado. É verdade que filhos não são “propriedade dos pais”; mas o são muito menos da escola ou do Estado. Pais são natural e constitucionalmente responsáveis por exigir e prover a melhor educação possível a eles. Recomendo aos leitores a tese de doutorado (pela FEUSP) do prezado Édison Prado de Andrade, que trata sobre a prática no Brasil sob o ponto de vista do direito educacional. Quando os responsáveis estão em busca de um melhor ensino e não encontram isso na escola pública ou privada, eles deveriam ter a liberdade de escolher alternativas, inclusive a de assumir pessoalmente a tarefa educacional, sem serem criminalizados por isso. Mas parece que tal escolha ofende uma certa sensibilidade que insiste em tratar a escola como lugar sagrado e que acaba reduzindo a educação à escolarização.
O debate sobre o ensino domiciliar não visa desmantelar a escola. Ele diz respeito à não criminalização e à liberdade de pais escolherem outras modalidades de ensino para seus filhos para além da escola
Sou um defensor da escola como, potencialmente, a melhor instituição na democratização do conhecimento, para a oferta de saberes formais e para a promoção do espírito cívico. Apesar de todos os desafios e limitações, ela ainda leva educação para muitas crianças e jovens nos mais diversos contextos sociais, culturais e econômicos. Pessoalmente, desenvolvi um programa de letramento para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade que foi financiado pelo Conselho Municipal da Criança e do Adolescente e aplicado em contraturno escolar em projetos sociais em aglomerados na cidade de Belo Horizonte. Sei do impacto desse tipo de iniciativa na vida de inúmeras crianças e adolescentes que lidam, diariamente, com inúmeros obstáculos para se inserirem intelectual, cultural e economicamente em nossa sociedade.
Esse lugar indispensável da escola não está em questão, aqui; o debate sobre o ensino domiciliar não visa desmantelar a escola. Ele diz respeito à não criminalização e à liberdade de pais escolherem outras modalidades de ensino para seus filhos para além da escola. Mas isto exigirá a relativização da escola e o reconhecimento de que ela nem sempre supre o que famílias esperam como melhor programa formativo para seus filhos.
A escola definitivamente não é um lugar neutro; e tampouco por ser escola pública. A alegada não confessionalidade não a torna neutra. De fato, por exigência legal, a escola deve elaborar um Projeto Político-Pedagógico que, além de definir os objetivos pedagógicos de uma escola, garante sua autonomia institucional. Em outras palavras, cada escola, mesmo pública, adota para si certas características e preferências educacionais específicas, isto é, um viés pedagógico. Junte-se a isso o fato de que cada professor é relativamente soberano no ensino de um determinado conteúdo, e concluiremos que a escola terá grande influência doutrinária sobre como certos temas serão tratados ou enfatizados.
Uma sociedade que se queira mais pluralista e mais democrática deve começar pela superação do mito da neutralidade da escola e do professor. Neste sentido, entendo que o ensino domiciliar chega em boa hora, principalmente quando permite a famílias e grupos terem mais liberdade para escolher abordagens educacionais e uma filosofia de ensino que se aproxime da preferência da família, algo raramente apreciado pela escola. Não importa se uma família é cristã, LGBTQIA+, muçulmana, judia, negra ou indígena, cada uma delas poderia elaborar um ensino que aprecie suas particularidades culturais e sensibilidades, as quais são raramente apreciadas em escolas convencionais. O ensino domiciliar, neste caso, pode ser uma opção para que os diferentes grupos de uma sociedade plural tenham a liberdade para adotar e desenvolver o que acham que é melhor para seus aprendizes, claro, nos termos da nova lei, que exige, inclusive, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como conteúdo mínimo.
O ensino domiciliar enquanto modalidade de ensino não pode ser propriedade de um campo ideológico nem ser amarrado a uma doutrina, identidade ou grupo em particular. Apesar de ser preferência de grupos conservadores, ele pode ser adotado por qualquer grupo cultural ou religioso, que o empregará para transmitir suas crenças específicas. O ensino domiciliar é apenas uma modalidade de ensino; já a filosofia educacional e o conteúdo a serem adotados (além da BNCC) devem ser de livre escolha de cada família.
Eu gostaria de compartilhar aqui a minha própria experiência. Eu não desejo para meus filhos uma escolarização aprisionada ao currículo, não quero que eles simplesmente dominem certas informações ou peças de conhecimento sobre as diferentes disciplinas. Não quero que eles simplesmente sejam bons em passar em testes ou no Enem. Quero que eles apreciem a matemática como beleza, que se impressionem com sua ordem e regularidade, percebam as operações algébricas com maravilhamento. Trabalho também para que eles tenham um olhar analítico, curioso e sempre estimulante com a aprendizagem. Procuro criar um ambiente excitante e que vá para além do óbvio. Quero que eles façam perguntas que me desafiem para lhes oferecer sempre o melhor. Meu empenho é fornecer uma educação cognitiva e imaginativa: que aprendam a aprender e aprendam a imaginar.
Eu e minha esposa nos empenhamos para que eles tenham um ótimo convívio com nossa vizinhança e que amem o país e a cidade onde moram. Espero que sejam bons brasileiros. Trabalhamos para que eles conheçam o mundo da ciência e da tecnologia, a profundidade de suas linguagens e métodos, tendo em vista a compreensão dos fenômenos físicos, químicos, biológicos e digitais em toda a sua diversidade e complexidade. Em casa, eles têm contato com uma enorme diversidade de expressões estéticas e sonoras: música erudita, jazz, blues, soul, reggae e o bom rock n’roll, inclusive o nacional.
Não importa se uma família é cristã, LGBTQIA+, muçulmana, judia, negra ou indígena, cada uma delas poderia elaborar um ensino que aprecie suas particularidades culturais e sensibilidades, as quais são raramente apreciadas em escolas convencionais
A lista não acaba, mas desejo que meus filhos tenham fé consistente em Deus, que apreciem também a sabedoria judaico-cristã, que desenvolvam virtudes morais e intelectuais, que vivenciem um lar que ama o próximo e os mais vulneráveis, que eles se envolvam com moradores de rua, famílias pobres e refugiados. Enfim, esta é a escola que quero para meus filhos; infelizmente, não encontro uma que ofereça essa experiência de aprendizagem. Minha casa realmente tem se tornado a melhor educação que eu poderia oferecer a eles.
O ensino desescolarizado
Pais podem simplesmente não se sentir confortáveis com o modelo de educação escolar. Eles podem não concordar com certas práticas formativas e certas interpretações ideológicas. Não é raro ouvir relatos de pais evangélicos, católicos, judeus, muçulmanos e espíritas que acabam entrando em conflito com escolas e professores quando esses ensinam o ateísmo ou sentimentos antirreligiosos a seus filhos, sem a sua autorização. Não é coincidência que a maioria dos adeptos da modalidade de ensino seja religiosa. Neste sentido, o ensino domiciliar aprecia de forma mais customizada sensibilidades, percepções particulares e visões de mundo de minorias ou de grupos cujos valores e crenças não são apreciados no currículo escolar convencional.
Um caso interessante no conflito entre escola pública e certas particularidades familiares é o movimento de educação domiciliar americano conhecido como #blackhomeschoolers. Algumas famílias afro-americanas decidiram tirar seus filhos de escolas públicas e adotarem o ensino domiciliar pela flexibilidade, uma vez que conteúdos da cultura negra, africana e afro-americana poderiam ser apreciadas de forma livre, além do benefício de proteger os filhos de comportamentos racistas e discriminações que sofriam de colegas de classe.
Observe que, quando superamos certa idealização da escola, percebemos que ela nem sempre é um lugar seguro. A escola é certamente importante no monitoramento e prevenção de casos de violência intrafamiliar e abusos contra crianças e adolescentes. No entanto, encará-la como um lugar onde a segurança física e psicológica é sempre assegurada é, no mínimo, uma postura ingênua, quiçá idealista.
A alegação de que a não escolarização pode acarretar problemas psicológicos (como se encontra na nota da Unesco) é simplesmente inconsistente, não há qualquer evidência que a sustente. Os problemas psicológicos vivenciados por crianças durante a pandemia não foram causados por mera privação da vida escolar. As razões podem ser diversas, incluindo a hiperexposição a telas, fenômeno que já vem sendo estudado e que vem acarretando sérios danos emocionais e cognitivos em crianças e adolescentes. Ademais, o fato é que as famílias brasileiras não têm nenhuma experiência ou preparo para o ensino domiciliar.
O problema do argumento está em colocar todos os que vivem ou viveram fora da educação escolar automaticamente em risco de desenvolverem alguma patologia psicológica. A ironia é que há dados que indicam precisamente o contrário, isto é, há indicadores de benefícios emocionais e sociais àqueles que receberam educação formal em casa. Veja, por exemplo, a publicação recente do pesquisador e diretor do Programa de Florescimento Humano de Harvard, Tyler J. VanderWeele. No estudo, ele constata que adolescentes que receberam o ensino em casa eram mais propensos ao trabalho voluntário, demonstravam mais senso de missão e propósito, e eram emocionalmente mais seguros na vida adulta. Ou seja, apresentavam indicadores de saúde mental superiores aos dos egressos de escolas públicas. Esse estudo foi tema de artigo anterior nessa coluna.
O argumento de que a educação domiciliar traz riscos à saúde emocional é simplesmente lançado aos quatro ventos como verdade, sem qualquer evidência ou fundamento empírico. E – precisamos destacar – sem estudos comparativos sobre os impactos negativos da vivência na escola pública sobre crianças e adolescentes. Por outro lado, ele fantasia a escola como um ambiente quase terapêutico, o que na prática, sabemos, é mais um desejo profundo do que um fato sólido. Há pesquisas importantes no campo da psicologia sobre o fenômeno conhecido como vitimização escolar, isto é, os efeitos longitudinais de violências verbais, como o bullying, ou violências físicas sofridas no contexto da escola.
Volto a um exemplo pessoal: em 2013, quando eu trabalhava em um programa de educação complementar em contraturno escolar na região metropolitana de Belo Horizonte, tive conhecimento de que uma aluna, então com 13 anos, havia sido vítima de um estupro coletivo em um matagal dentro do terreno de sua escola. Seis adolescentes, também alunos da mesma instituição, revezavam o corpo da menina em um espetáculo de horrores. Neste caso, a escola não foi um lugar de segurança para minha ex-aluna; foi onde ela foi violentada. Quais foram os benefícios da “socialização” escolar para esta aluna?
Quando superamos certa idealização da escola, percebemos que ela nem sempre é um lugar seguro. Encará-la como um lugar onde a segurança física e psicológica é sempre assegurada é, no mínimo, uma postura ingênua, quiçá idealista
Por outro lado, poderíamos inferir daí que a instituição escolar seria intrinsecamente ruim? É certo que não. Além disso, é verdade que esse foi um caso especialmente cruel, e que não justificaria uma generalização. No entanto, as pequenas e diárias violências entre estudantes e contra professores e funcionários em escolas públicas são realidades generalizadas e convenientemente minimizadas diante do problema igualmente exasperante da violência doméstica. Casos como esses precisam despertar nossa consciência para um olhar menos ingênuo e idealista sobre a escola. Ela não é uma panaceia.
Socialização em... sociedade?
Uma das principais objeções à educação domiciliar é uma suposta “privação da socialização”. A expressão é muito ambígua; mas, em geral, o que se quer dizer por “socialização” é a troca social e relacional entre diferentes indivíduos de diferentes culturas, valores, crenças, vivências e visões de mundo. A escola, nesse caso, seria um tipo de microcosmo das complexidades da sociedade e da vida pública, de modo que, nela, os alunos poderiam “aprender a conviver”.
Em condições adequadas, a escola realmente tem muitas vantagens nesse sentido. Porém, há certo idealismo quanto à viabilidade desse processo. A interação e a troca são exigências de todo processo de socialização. Mas não há trocas apenas de “bens”; há também o compartilhamento de “faltas”. Uma criança que chega ao contexto escolar precocemente erotizada, imersa em um ambiente de violência, pode eventualmente reproduzir tais hábitos, tornando seus colegas alvos de abusos. E assim sofrimentos e vícios sociais são compartilhados. Trabalhei como educador durante seis anos com crianças em comunidades vulneráveis, nas quais os casos de agressão, abuso e comportamento erotizado em crianças com 7, 8 ou 9 anos eram alarmantes. A socialização no ambiente escolar tem vantagens, mas não sejamos ingênuos: há também riscos e desvantagens, muitas vezes ocultos aos olhos de membros da classe média ou alta que não precisaram se “socializar” em ambientes tóxicos.
De maneira alternativa, a socialização e mesmo a aprendizagem da vida cívica podem ocorrer muito bem em diversos outros contextos como agremiações, trabalho voluntário, comunidades religiosas, grupo de escoteiros, academias de artes marciais, escolinhas de esportes, cursos de idiomas, convívio com a vizinhança ou por meio de encontros regulares de famílias educadoras. Ademais, é um absurdo imaginar que a socialização de crianças e adolescentes não acontecia ou era irremediavelmente pobre e incompleta antes do advento do moderno sistema de escolas públicas. Definitivamente, a escola não detém o monopólio da socialização.
A socialização e mesmo a aprendizagem da vida cívica podem ocorrer muito bem em diversos outros contextos como agremiações, trabalho voluntário, comunidades religiosas, grupo de escoteiros, academias de artes marciais, escolinhas de esportes, cursos de idiomas, convívio com a vizinhança ou por meio de encontros regulares de famílias educadoras
A escola, quando encarada de forma realista e crítica, assume seu lugar como uma instituição importante na garantia de direitos, na socialização e, claro, no acesso universal e democrático ao conhecimento curricular. Mas ela não é o único contexto em que a socialização e a educação formal acontecem. Este é o dogma iluminista que precisa ser questionado. Fomos criados fantasiando que a escola é um lugar sagrado, o que ela não é. A escola é, antes, uma instituição cultural e historicamente localizada, como qualquer outra instituição, com suas vantagens e desvantagens. E assim sendo, por razões de foro íntimo ou pela qualidade questionável de uma escola em sua região, famílias podem optar por uma modalidade não escolar de ensino e socialização.
Um jeito diferente de ensinar e aprender
Há uma mudança educacional acontecendo e que se intensificou durante a pandemia. Refiro-me à disponibilidade e oferta exponencial de cursos para pais-educadores, conteúdos curriculares em formato impresso e on-line. Tal oferta abre inúmeras possibilidades educacionais para pais-educadores e alunos. O fluxo natural é que pais que adotem a educação domiciliar, mesmo quando não são especialistas, sejam orientados por profissionais e, assim, apliquem estratégias e abordagens didáticas para que seus filhos aprendam mais e melhor.
A comunidade de educação domiciliar vem se organizando há tempos; temos associações, serviços, trocas de conhecimentos didáticos, partilha de estratégias, permuta de modelos curriculares e atividades de forma permanente. As mídias sociais aproximam famílias educadoras e viabilizam a criação de redes de cooperação local e global dos envolvidos na prática.
Pais educadores já passaram em suas vidas por toda uma jornada educacional pela qual, agora, seus filhos também passarão. Em grande medida, o conteúdo a ser ensinado já foi estudado pelos pais na vida escolar; logo, se há algum tema que os pais se veem incapazes de abordar, eles teriam a liberdade, sob a nova regulamentação, de contratar tutores, pedagogos ou professores particulares para tratar daquele ou outros conteúdos curriculares.
A educação domiciliar não deve ser romantizada. Esse risco de idealização existe e é precisamente o mesmo da escola. Não penso que toda família tenha condições de abraçar essa modalidade
É importante ter em mente que a educação domiciliar não é uma reprodução da escola. Além dos momentos formais e regulares de aprendizagem, que podem acontecer nos diferentes ambientes da casa, as aulas também podem acontecer para além do domicílio. A experiência de aprendizagem torna-se um estilo formativo. A “sala de aula” pode ser um museu, parque, galeria de arte, acampamento em família, concerto na praça, trabalho voluntário ou uma viagem. Toda vivência se torna uma oportunidade para aprendizagem e socialização.
Uma última palavra para pais educadores
No mundo homeschooling muitos discordaram da norma prevista em lei a respeito de eventuais visitas de conselheiros tutelares às famílias educadoras. Pessoalmente, não vejo nisso qualquer problema; pelo contrário, penso que é uma forma de garantir que, de fato, ninguém instrumentalize a prática para cometer abusos. Famílias íntegras, a maioria esmagadora, devem proteger a prática, denunciando abusos para afastar potenciais oportunistas. Com isso, a educação domiciliar não será restringida, mas protegida.
A educação domiciliar não deve ser romantizada. Esse risco de idealização existe e é precisamente o mesmo da escola. Não penso que toda família tenha condições de abraçar essa modalidade. Ela exige ajustes em jornadas de trabalho (e a economia com a educação privada ajuda nisso), mas não é todo dia que se consegue um trabalho em meio turno. Além disso, há despesas específicas; eventuais custos com livros continuam. Há também uma exigência intelectual sobre os pais, o que funciona muito bem com quem ama aprender (nosso caso), mas este não é o caso para muitas famílias. A necessidade de cursos ou de um especialista na família ou contratado para auxiliar as famílias na prática é fundamental.
A escolha por essa modalidade deve ser tomada de maneira consensual pelos responsáveis, mas quero encorajar aos pais (os homens) a que assumam essa tarefa junto com suas esposas. Na maioria das famílias, a mãe assume voluntariamente grande parte do trabalho educacional. Mas seria importante um maior envolvimento do pai nesse trabalho. Recomendo que os pais se envolvam com o planejamento, aproveitem os momentos em família, levem seus filhos para museus ou parques nos fins de semana e, se seu tempo ou modalidade de trabalho permitir, assumam algumas disciplinas. Eu mesmo dou aula de Matemática, Geografia, Inglês e Tecnologia/Programação.
Por fim, tanto o ensino escolar como o domiciliar possuem suas especificidades e desafios. Mas as famílias devem ter a liberdade de fazer suas escolhas; inclusive de migrar de uma modalidade para a outra quando acharem conveniente. Pessoalmente, como alguém que adota a educação domiciliar há quatro anos, gostaria de compartilhar que a experiência de alfabetizar meu filho e de vê-lo hoje, aos seus 9 anos de idade, sendo um excelente leitor, com minha filha de 4 anos caminhando na mesma direção, é muito encorajadora. Vejo neles uma alegria em aprender que eu não tive na idade deles; sinceramente, gostaria muito que eu mesmo fosse alegre assim na época em que estava na escola. Que tenhamos melhores escolas, principalmente as públicas, para que mais famílias sejam beneficiadas com uma educação de qualidade e que seja verdadeiramente plural. Quem sabe no futuro teremos um sistema que disponibilize bolsas às famílias carentes para que livremente escolham a escola que melhor lhes convém? Mas, até lá, estamos em festa com a possibilidade de finalmente termos a liberdade de oferecer o que consideramos ser o melhor para nossos filhos, sem sermos criminalizados por ensiná-los em casa e para além dela.
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