Por que a sociedade ocidental alcançou tanto sucesso, em termos de expectativa de vida, acesso a alimentos e bens, liberdades individuais e produtividade cultural?
As respostas variam: ciência moderna, capitalismo, democracia liberal, e até fatores climáticos e ambientais. Mas em sua revolucionária investigação sobre os fundamentos da civilização moderna, publicada em 2020 no livro The weirdest people in the world: How the West became psychologically peculiar and particularly prosperous (“As pessoas mais estranhas do mundo: Como o Ocidente se tornou psicologicamente peculiar e particularmente próspero”), Joseph Henrich defende que na base de tudo estaria... o casamento monogâmico.
Joseph Henrich é professor de Biologia Evolutiva Humana na Universidade de Harvard, onde dirige o Laboratório de Cultura, Cognição e Coevolução. Com base em uma versão revisada da teoria darwiniana, incorporando de modo sistemático o princípio da cooperação como fator de sucesso evolutivo para grupos sociais, e o conceito de evolução cultural, Henrich argumenta que o casamento monogâmico, universalizado por obra da Igreja Católica, derrotou outras alternativas de economia reprodutiva humana, como a promiscuidade e a poligamia, porque se mostrou mais eficiente para produzir um alto nível de cooperação entre as pessoas.
Foram os mil anos do “Programa Católico de Casamento e Família” na Europa que demoliram seu sistema de clãs e criaram uma sociedade de famílias de alto rendimento
O ponto é que a adoção do modelo monogâmico, por uma comunidade, reduz a competição intersexual (homens vs mulheres) porque fornece um ambiente seguro e confiável para a reprodução e cuidado da prole, e a competição intrassexual (homens vs homens e mulheres vs mulheres), porque cada casal tem a sua família e seus filhos. Com a redução da conflitividade social, aumenta, em primeiro lugar, a qualidade do investimento parental, com os pais tendo menos filhos, conhecendo-os melhor e disponibilizando mais atenção e proteção. Havendo menos conflitos intrassexuais (guerras tribais para sequestrar futuras esposas, por exemplo), eleva-se a confiabilidade social, com homens e mulheres se dispondo mais a cooperar com a comunidade. Além disso, a maior segurança sobre a paternidade das crianças e sobre o comportamento de outros homens também reduz a “necessidade” (sem entrar no mérito) de vigilância estrita das mulheres, levando a uma sociedade menos patriarcal e mais aberta à participação feminina. Comparado aos outros modelos de economia reprodutiva, o casamento monogâmico apresenta alto rendimento.
Henrich argumenta que foram os mil anos do “Programa Católico de Casamento e Família” na Europa que demoliram seu sistema de clãs e criaram uma sociedade de famílias de alto rendimento, nas quais os homens deixaram de ver uns aos outros pela ótica do clã e da consanguinidade para se verem de modo mais impessoal e ao mesmo tempo mais solidário, como concidadãos. E foi assim que nasceram ou se revitalizaram as grandes cidades europeias, e foram lançadas as bases socioculturais para as democracias modernas.
Mas e quanto à Reforma e à ética protestante do trabalho, tão importantes para a consolidação do capitalismo, para as revoluções constitucionais e republicanas etc.? Henrich dirá que essas transformações apenas introduziram um booster shot em um processo que já estava acontecendo. Uma injeção a mais de combustível no ethos de cidadania cooperativa. O resultado dessa aliança entre a religião cristã e um modelo altamente eficiente de cooperação familiar e social foi uma sociedade urbanizada, racionalizada, com mais liberdades, mais igualitária, mais cooperativa e mais rica. Que ele chama de W.E.I.R.D., segundo um acróstico que costumeiramente empregamos nessa coluna: Western, Educated, Industrialized, Rich and Democratic. Essa sociedade foi reproduzida na América do Norte e exportada para o mundo inteiro, levando ao triunfo do casamento monogâmico – ao menos por um tempo.
Pessoas W.E.I.R.D., no entanto, desenvolveram uma psicologia distinta, muito diferente, que é hoje objeto de investigação de Henrich e de muita gente. Um dos pioneiros dessa investigação que sempre mencionamos aqui é Jonathan Haidt, autor de A Mente Moralista (de 2012). Pessoas de psicologia W.E.I.R.D. são muito mais individualistas, muito sensíveis a qualquer abuso de poder, desigualdade ou ameaça a minorias ou pessoas vulneráveis, mas não são tão conscientes dos princípios da lealdade, da honra às autoridades, da justiça retributiva e do sagrado. Elas são notoriamente abertas para o novo e para a diversidade, mas desinteressadas nos deveres comunitários e nas tradições. São também menos religiosas e menos interessadas na igreja institucional; as gerações mais novas são mais W.E.I.R.D., mais secularizadas e... geralmente votam à esquerda!
O problema é que muita diversidade e pouco compromisso geram pouca cooperação social e pouca comunidade. Nossas democracias modernas estão vendo a velha família monogâmica entrar em colapso exatamente ao mesmo tempo em que os níveis de capital social e confiança entre as pessoas estão afundando. Processos de atomização social e a ascensão do liberalismo terapêutico fazem com que os indivíduos priorizem muito mais a sua felicidade do que seus deveres para com a comunidade. Isso explicaria diversas tendências preocupantes como o aumento dos divórcios e da coabitação fora do casamento, a liberação sexual e o abortismo – cuja função é remover as consequências biológicas e éticas da liberação sexual – e o abandono de pais idosos pelos filhos por divergências ideológicas.
A resposta de emergência do sistema tem sido o alargamento de um aparato tanto público quanto privado para socorrer as vítimas desse processo de fragmentação e desamparo econômico e socioafetivo. Entre as propostas há boas ideias e alguns arremedos como a família poliamorista, um pesadelo sonhado pela mente W.E.I.R.D. A geração de novos direitos, comunidades de práticas e serviços públicos deve absorver parte da crise, e mascarar a gravidade do problema.
Conservadores precisam ser proativos e pensar em soluções; precisam sair de suas bolhas e estabelecer contatos significativos com pessoas de psicologia W.E.I.R.D.
Temos aqui uma ironia histórica, com a igreja “casando” as pessoas, casais construindo cidades, cidades desconstruindo o casamento e as pessoas deixando as igrejas? Será que, ao universalizar o casamento monogâmico, a igreja cristã construiu a própria cova? Foi ela vítima de seu próprio sucesso? Essa é uma pergunta que muitos têm feito diante da pesquisa de Henrich. Alguns até celebram esse fato, mas é preciso ter em mente que a queda na participação nas igrejas e na adesão religiosa está diretamente ligada a esse processo de fragmentação do tecido social. E isso deveria deixar qualquer um preocupado, mesmo que seja um ateísta convicto.
Trata-se de efeitos não intencionados: a lógica da vida urbana, a competividade capitalista e a cultura de hiperconsumo geram práticas e hábitos contrários à vida familiar e ao casamento estável, e estimulam tremendamente a inovação e a criatividade. A cidade moderna tanto estimula algumas capacidades quanto atrofia outras, criando uma situação excitante por um lado, mas patológica por outro. Não está claro, no entanto, se o estilo moral W.E.I.R.D., tão adaptado à vida urbana, será capaz de sustentar a civilização ocidental no longo prazo.
Diante disso, cabe ao cidadão e ao cristão responsável agir individualmente e coletivamente para introduzir contramedidas comunitaristas e familistas, enquanto trabalhamos para mudar os rumos da nossa sociedade de hiperconsumo. O fato de que nossas cidades são tóxicas para a família não pode ser normalizado, e muito menos naturalizado, como se fosse um progresso natural da civilização. Trata-se de uma patologia moral e social, e o fato de esse problema não ser adequadamente considerado pelo legislador e pelo gestor público é uma patologia política.
Nessa tarefa, um desafio me parece particularmente importante: como ajudar pessoas W.E.I.R.D. – urbanas, estudadas, industrializadas, ricas e liberais/democráticas – a cultivar vidas familiares sadias e duráveis? É um desafio pastoral, pedagógico e político também. Apenas lamentar e sermonar sobre o desmoronamento das bases morais da civilização ocidental é muito pouco; as particularidades da psicologia W.E.I.R.D. precisam ser levadas a sério. Conservadores precisam ser proativos e pensar em soluções; precisam sair de suas bolhas e estabelecer contatos significativos com pessoas de psicologia W.E.I.R.D.
Além disso, as igrejas, conscientes de seu papel histórico no lançamento das bases da civilização ocidental, não devem se intimidar diante de ideólogos estridentes e políticos laicistas. As oportunidades para contribuir surgirão, inevitavelmente, porque os estilos de vida líquidos e descompromissados do mundo contemporâneo estão deixando as pessoas doentes. É uma questão de tempo.
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