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Guilherme de Carvalho

Guilherme de Carvalho

Guilherme de Carvalho é teólogo público e cientista da religião, com foco na articulação entre cristianismo e cultura contemporânea. É Pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte e diretor de L’Abri Fellowship Brasil. Foi diretor de Promoção e Educação em Direitos Humanos no Governo Federal.

Filosofia cristã

Conservadorismo cristão e a religião do progresso

(Foto: Unsplash)

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Há várias semanas nos pusemos a examinar algumas facetas da fé do progresso, essa grande religião secular e paracristã, nascida da cópula entre o epicurismo moderno e a escatologia cristã. Essa fé engendrou, por sua vez, o progressismo de esquerda, seja na versão liberal ou na versão socialista.

A religião do progresso mimetiza e então compete com a esperança cristã; mas o conflito não é apenas de natureza histórica. Sua inflamação escatológica do horizonte temporal ofende a própria natureza humana e a experiência da temporalidade. A expectativa da Novus Ordo Seclorum com seu Novo Homem coloca os povos em conflito com o passado e com as suas limitações naturais e históricas, instaurando um imperativo revolucionário. Isso gera, infalivelmente, uma reação conservadora.

Como o leitor instruído saberia observar, o conservadorismo não é exatamente uma ideologia; ao menos, não uma ideologia típica. O seu conteúdo varia conforme a tradição que se busca preservar. Trata-se primariamente de ethos, um amor por bens transmitidos por uma comunidade e preservados por meio da tradição, e um espírito de prudência, consciente da falibilidade humana, da facilidade com que coisas boas podem ser destruídas, e da responsabilidade histórica de cada geração com o passado.

O compromisso dos conservadores com a preservação da tradição torna o conservadorismo muito mais enraizado e local. Universalismos capturam menos a sua atenção do que os pertencimentos concretos

Naturalmente, ele pode ser visto por outro ângulo: como uma resistência à criatividade e como uma tentativa reacionária de preservar ordens hierárquicas, com o propósito de garantir privilégios. De fato, conservadores tendem a duvidar de aplicações totalitárias do princípio da igualdade, que neguem a realidade e a importância de muitas diferenças qualitativas. Conservadores tenderão a ressaltar a diferença natural entre homens e mulheres e a propor algum tipo de igualdade na diferença, ao passo que progressistas enfatizarão a necessidade de superar a importância das diferenças para garantir a igualdade.

O compromisso dos conservadores com a preservação da tradição e a responsabilidade geracional torna o conservadorismo muito mais enraizado e local. Universalismos capturam menos a sua atenção do que os pertencimentos concretos. O progressista enfatizará o amor universal a todos os homens, especialmente aos diferentes, ao passo que o conservador exigirá o amor leal aos seus, demonstrado de forma prática. Como observa o filósofo político canadense David Koyzis, em Visões e Ilusões Políticas:

“Os conservadores são vistos como localistas, não globalistas; patriotas, não cosmopolitas; voltados para a família e a comunidade local, não para o Estado... a preferência pela tradição em detrimento da inovação certamente predispõe o conservador a favorecer o concreto e o particular em face do abstrato... Nesse sentido, o conservadorismo, além de se opor ao liberalismo e ao socialismo, provavelmente combaterá qualquer movimento influenciado pelo cosmopolitismo...”

Considerado do ponto de vista desse ethos fundamental, é difícil negar o respeito ao conservadorismo, como um espírito capaz de estimular a virtude. Assim como o anseio por igualdade tem um valor intrínseco, a prudência e o amor pela tradição também têm. Mas assim como o igualitarismo pode se tornar obsessivo e patológico, negando diferenças naturais e morais, o conservadorismo pode se tornar doente, preservando coisas que não tem valor. Volto ao Dr. Koyzis:

“O que o conservadorismo como um todo parece incapaz de fazer é formular um critério universalmente aceitável, transistórico, para discernir o que em uma tradição vale a pena preservar e o que deve ser descartado. É bem verdade que muitos conservadores professam acreditar na existência do Kirk chama de uma ‘ordem moral perene’, segundo a qual ‘a natureza humana é uma constante e as verdades morais são permanentes’... Porém, mesmo por esse lado os conservadores erram. Primeiro, eles não conseguem distinguir suficientemente as tradições, as instituições e a moral da sua própria sociedade da ordem transcendente que eles alegam pressupor. Além disso, eles subestimam o caráter dinâmico dessa ordem. A mudança e o desenvolvimento não são defeitos, mas partes inalienáveis da criação tal como Deus a estruturou. Os conservadores têm dificuldade para reconhecer que a estrutura e a mudança, longe de serem opostas entre si, na verdade se pressupõe mutuamente.”

A preocupação de Koyzis é com a tendência de favorecer uma visão estática da sociedade, com pouco espaço para a pluralidade, a diferenciação e a mudança. Em tese esse espaço existe; a prudência seria precisamente o princípio que permite a gestão sábia da mudança. Mas na prática a defesa de interesses privados e o medo do novo interferem nas culturas conservadoras produzindo outra coisa: o reacionarismo.

É claro que a crítica do filósofo se dirige a um conservadorismo formal, abstraído de um conteúdo tradicional e mesmo religioso específico. Suponhamos, no entanto, que o conteúdo da tradição conservada seja o próprio cristianismo. Essa associação seria perfeitamente legítima; o cristianismo é uma fé “baseada na transmissão, recepção e preservação” do depósito da fé. O apóstolo Paulo se refere explicitamente a isso empregando o termo paradosis (tradição): “Assim, irmãos, ficai firmes e conservai as tradições que vos foram ensinadas oralmente ou por carta nossa.” (2Ts 2.15; cf. 1Co 11.23).

A pior decisão que conservadores cristãos poderiam tomar, confrontando a falsificação escatológica progressista, seria tentar neutralizar a imaginação escatológica e abraçar um conservadorismo secularizado e genérico

Nesse caso, uma fidelidade conservadora a essa tradição, haverá, necessariamente, que reconhecer o princípio do Êxodo como constitutivo para a sua visão da história, e isso daria a essa forma específica de conservadorismo um recurso para contrabalançar a tendência estática. Um conservadorismo cristão não seria paralisante. Além disso, se o princípio prudencial for aplicado à tradição específica que o próprio Koyzis representa – o neocalvinismo de Kuyper, Dooyeweerd, Goudzwaard e Schuurman – a ideia de um desenvolvimento cultural progressivo, sob a lei dinâmica da diferenciação com integração, levando a mudanças históricas normativas, ou seja, em harmonia com a ordem divina, seria parte do próprio patrimônio a ser conservado.

Mas... seria isso, ainda, um conservadorismo? É uma boa questão. Muitos conservadores cristãos acham que sim; no entanto, se estabelecemos o princípio conservador como subsidiário em relação ao evangelho, é evidente que a ordem foi invertida. Se o evangelho estabelece como o mundo deveria ser, e o princípio conservador é aduzido para promover e proteger essa tradição evangélica positiva, temos apenas uma forma “soft” de conservadorismo, cuja força existiria em harmonia com a abertura escatológica.

E essa abertura é precisamente a principal dificuldade do conservadorismo típico. Deixado à deriva e com seus próprios recursos, ele falha em fornecer um contraponto saudável ao progressismo, porque reluta em incorporar a perspectiva escatológica. Isso ocorre, em parte, porque o conservadorismo é uma reação contra a corrupção da escatologia cristã promovida pela modernidade e pelo ideal do progresso. Assim, de forma reativa, o conservadorismo não recorre com facilidade ao Êxodo como inspiração para mudanças sociais, nem acomoda com facilidade a denúncia profética contra os reis, em nome dos vulneráveis e despossuídos do mundo. Como já discutimos nessa coluna, quando tratamos do sentido político do Êxodo, a linguagem imperial é fixista, naturalizando a sua dominação como se fosse a própria ordem cósmica, e o etos profético-protestante desafia essa ordem.

Isso não torna o conservadorismo inerentemente, mau, mas claramente vulnerável. Falta-lhe o aguilhão escatológico da tradição cristã. E a pior decisão que conservadores cristãos poderiam tomar, confrontando a falsificação escatológica progressista, seria tentar neutralizar a imaginação escatológica e abraçar um conservadorismo secularizado e genérico. O evangelho e a história da Páscoa não podem ser desfeitos, e não há como recuperar uma “inocência” pré-cristã (exceto, talvez, para ateus muito convictos, e olhe lá). A única opção viável para o cristianismo é confrontar a mentira progressista na arena da imaginação escatológica.

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