Tenho um reclame contra o comportamento direitista nas mídias sociais: ele fornece munição aos censores.
Vou ilustrar meu ponto com uma polêmica recente. Já se vão mais de 20 dias desde que foi divulgado o relatório do Imazon, segundo o qual o desmatamento na Amazônia triplicou no mês de março, tornando o primeiro trimestre do governo Lula o segundo pior trimestre de desmatamento desde 2008, com perda de 867 km2. O recorde aconteceu em 2021, sob o governo Bolsonaro, quando perdemos 1.185 km2 de floresta nativa.
Previsivelmente, o assunto foi muito explorado em círculos da direita, como se fosse prova de hipocrisia da esquerda. Os jornais conservadores mantiveram a linha, ou quase – alguns apenas noticiaram o fato, mas a revista Oeste fez questão de observar: “Sob Lula”. Não mentiu nos fatos, mas sugeriu um fracasso do governo Lula. Nas mídias sociais, no entanto, a acusação correu solta, desavergonhada. Para dar um exemplo: o perfil do influenciador Fernando Conrado no Instagram, com quase 860 mil seguidores, mantém um vídeo comentando a reportagem do g1 com a chamada “acuse-os do que você faz, chame-os do que você é”. O influenciador afirma que os progressistas usam de “dois pesos e duas medidas”, que permaneceram em silêncio agora, mas durante o governo anterior foram “quatro anos de um chorinho interminável”. É a “hipocrisia dos progressistas”. O vídeo tem quase 66 mil curtidas.
Não posso discordar quanto à hipocrisia de muitos (não todos) os progressistas. No campo dos Direitos Humanos, em particular, essa hipocrisia gritava dos telhados de Brasília. Pude constatá-la em primeira mão: em nome da narrativa e da guerra cultural, acusações e exigências desonestas eram levantadas regularmente contra a equipe do finado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Dada a práxis do progressismo nacional, parece-me seguro extrapolar esse comportamento para outros setores.
O sistema nacional de proteção contra o desmatamento entrou em processo de franca degradação, até alcançarmos os números revoltantes de 2021. Exigir que o governo Lula conserte esse estrago em poucos meses é ignorância ou coisa pior
A verdade, no entanto, é que a sugestão de fracasso ambiental do governo Lula no começo do ano é uma bobagem sem tamanho, uma consumada idiotice. Todo conservador sabe que coisas boas custam muito tempo, esforço e amor para serem construídas, mas podem ser destruídas de um dia para o outro. Um sistema nacional de proteção ambiental é como uma tradição ou como a saúde física: ela é construída com anos de investimento e boas práticas, mas pode ser perdida de um dia para o outro.
É evidente, e tão evidente quanto o sol é amarelo, o céu é azul e a grama é verde, que durante os quatro anos do governo Bolsonaro houve um desmonte sistemático da fiscalização ambiental no país. Isso nem mesmo é matéria conspiratória; pelo contrário, foi feito à luz do dia sob a justificativa de que era necessário para promover desenvolvimento e para proteger a soberania nacional contra a ameaça de ONGs estrangeiras.
Mas podemos ser específicos: o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, ou PPCDAm, foi criado no primeiro mandato do presidente Lula, e foi o principal responsável pela redução de 83% da taxa de desmatamento na Amazônia de 2004 a 2012. Esse plano precisava de melhoramentos, sem dúvida nenhuma, mas foi simplesmente extinto pelo governo Bolsonaro em 2019, como parte de suas ações para demolir a herança lulopetista. Ocorre, no entanto, que o bebê foi jogado fora com a água do banho, e nenhuma alternativa funcional foi estabelecida. Outras decisões ruins foram tomadas, como a transferência do Serviço Florestal e do Cadastro Rural para o setor agrícola do ministério, enfraquecendo o braço ambiental. O sistema nacional de proteção contra o desmatamento entrou em processo de franca degradação, até alcançarmos os números revoltantes de 2021. Exigir que o governo Lula conserte esse estrago em poucos meses é ignorância ou coisa pior.
A verdade é que muitas providências vêm sendo tomadas pelo atual governo. Nesse momento está sendo finalizado o Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas no Brasil, uma quinta e atualizada versão do PPCDAm, posto em consulta pública entre 10 e 26 de abril. Além disso, a fiscalização foi retomada, com aumento de 219% na aplicação de multas por desmatamento em relação ao ano passado. Negociações internacionais vêm sendo feitas para trazer investimentos na conservação da Amazônia. Enfim, a equipe do Ministério do Meio Ambiente não ficou parada; está dando duro para desfazer o estrago dos quatro anos de desgoverno ambiental bolsonarista.
Os dados sobre o aumento do desmatamento na Amazônia no primeiro trimestre de 2023 são verdadeiros, mas seu uso como prova contra o governo Lula é pura desinformação. É uma forma branda de mentir. Informação sem contexto, empacotada em comparações absurdas e emocionalmente carregada, não passa de desinformação, baseada em ignorância, desonestidade, ou as duas coisas.
A incoerência da crítica bolsonarista pode ficar mais clara se considerarmos a evolução do governo Bolsonaro no campo econômico. Por exemplo: foi amplamente noticiado o superávit nas contas do governo em janeiro, após oito anos no vermelho. Foi também amplamente destacado, nesta quinta-feira, que a desigualdade econômica caiu para o menor nível dos últimos dez anos, segundo dados do IBGE. A melhora se deu em parte por uma política intencional de transferência de renda pelo governo, mas também pela redução do desemprego.
Os dados sobre o aumento do desmatamento na Amazônia no primeiro trimestre de 2023 são verdadeiros, mas seu uso como prova contra o governo Lula é pura desinformação. É uma forma branda de mentir
Esses dados sinalizam melhoria na saúde econômica; não poderiam ser produzidos de um dia para o outro. No entanto, até 2021, Bolsonaro e Paulo Guedes foram fustigados pela imprensa esquerdista, primeiro pela desaceleração econômica no ano de 2019, e depois pela estagnação de 2020, o ano da pandemia. Em maio de 2022 a Carta Capital, por exemplo, ainda desancava o governo Bolsonaro por causa da economia – uma cara-de-pau enorme, considerando a herança maldita da era Dilma.
Ora, os conservadores certamente se ressentiram ao ouvir progressistas apostando no pior e atacando o governo com a máxima má-vontade possível, assim como se ressentem agora quando os progressistas minimizam essas realizações como mera maquiagem. Sim: foi hipocrisia, desonestidade e desinformação.
Nesse caso, por que alguns conservadores adotam “dois pesos e duas medidas” no campo ambiental? Por que tentam minimizar o resultado vergonhoso do governo anterior distorcendo o desempenho do governo atual?
É uma tristeza que o governo Bolsonaro tenha jogado fora a oportunidade de ouro de combinar bons resultados econômicos com a conservação ambiental – isso teria sido uma pá de cal em boa parte do discurso da esquerda. Mas é uma grande picaretagem tentar jogar areia nos olhos da oposição usando como recurso a desinformação. Pode ser que o governo Lula se mostre um desastre no campo ambiental. Mas por enquanto esse desastre está na conta da direita.
Como a Gazeta do Povo vem insistindo há tempos, vivemos um apagão da liberdade de imprensa e de expressão no Brasil. É dever dos conservadores e dos liberais lutar contra esse apagão. Mas é impossível negar o fato de que o cultivo da erva da desinformação se disseminou entre influenciadores de direita, tanto quanto entre os progressistas. Fake news e desinformação circulam com pouca ou nenhuma reprovação. A coisa me faz lembrar a figura do pai pusilânime, que tolera a maresia dentro de casa, e não deixa ninguém mexer com seus garotões. Até que a polícia aparece.
O uso da desinformação por conservadores nunca justificará a violação do direito fundamental à liberdade de expressão; a culpa da tirania é dos nossos tiranetes. Mas certamente esse comportamento transviado dá munição aos censores, e ajuda a explicar a sua surpreendente popularidade.
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