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Guilherme de Carvalho

Guilherme de Carvalho

Guilherme de Carvalho é teólogo público e cientista da religião, com foco na articulação entre cristianismo e cultura contemporânea. É Pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte e diretor de L’Abri Fellowship Brasil. Foi diretor de Promoção e Educação em Direitos Humanos no Governo Federal.

Conselhos tutelares

A esquerda e seu “botão do pânico”

Em Curitiba, conservadores se articulam pelo grupo "Tias do Zap", com representantes em Santa Catarina.
Mais de 30 mil novos conselheiros tutelares foram eleitos em todo o país no início de outubro. (Foto: Luiz Costa/Divulgação/Prefeitura de Curitiba)

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Que o crescimento evangélico seja motivo de preocupação para muita gente, disso não há a menor dúvida. Foi e ainda é, evidentemente, para o catolicismo romano, uma vez que boa parte do contingente evangélico se compõe de convertidos ao protestantismo. Mas é verdade que há uma acomodação religiosa em curso, com um fluxo de evangélicos rumo ao romanismo e uma convergência crescente no campo dos costumes.

Quem anda perdendo o sono, hoje, é outro grupo: a elite cultural laica, e especialmente seu setor esquerdista. O peso evangélico vem se mostrando exasperante, uma vez que de novo, e de novo, os consensos políticos e éticos dominantes na política, no jornalismo e na indústria cultural se veem teimosamente antagonizados por esses povos bárbaros e supersticiosos, que deveriam ser pura e simplesmente ignorados – exceto pelo fato de que, como pragas, invadem todos os espaços.

Um exemplo fascinante disso foi o que aconteceu nas eleições dos conselhos tutelares, no começo do mês. A direita se mostrou energética e articulada, superando a esquerda nos conselhos tutelares de São Paulo e Rio de Janeiro, as maiores cidades do país – feito representativo, que se reproduziu em muitas cidades. Muito desse resultado se deve aos esforços de líderes religiosos e católicos e evangélicos, que vinham trabalhando com afinco nas semanas anteriores, como foi noticiado aqui na Gazeta. Mas o sucesso dos evangélicos no esforço foi mesmo surpreendente. Segundo um levantamento d’O Globo cobrindo 11 capitais do país, os evangélicos elegeram 99 conselheiros, levando 10% das vagas – um feito inédito.

Na democracia que a nossa elite cultural pretende construir, evangélicos conservadores não têm poder nem voz. Tudo iria muito bem, exceto por esse pequeno e inesperado obstáculo, de que o povo tenha se tornado evangélico, vejam só!

A reação, esperada, foi um grita geral; foram muitas as matérias jornalísticas procurando ligar a vitória da direita a fake news sobre o envolvimento do governo Lula e da esquerda em projetos de banheiros unissex e na pauta abortista. O ministro Silvio Almeida se mobilizou contra a “manipulação” das eleições. O Globo chamou os universitários: Pedro Bruzzi, da agência Arquimedes, que investigou a movimentação das mídias sociais ao redor da eleição, observou que “a direita, sobretudo bolsonarista, volta a carga à agenda de costumes conservadores e busca associar o governo Lula a projetos progressistas”. Tive alguma dificuldade para crer nos meus olhos, mas foi isso mesmo que li. Lula, ligado a projetos progressistas, imagine! Quem poderia conceber uma barbaridade dessas?

Outra especialista, a antropóloga Isabela Kalil, “explicou” que a direita ganhou acionando o botão do “pânico moral” diante de pautas de costumes. Ora, que o coração da disputa seja o embate de “costumes” é uma banalidade. Já a recorrente caracterização da resistência conservadora ao individualismo expressivo como mero “pânico” é um pouco pior do que isso. Como se nosso jornalismo já não vivesse com o dedo colado nesse botão (“fascismo!”, “fundamentalismo!”, “homotransfobia!” etc).

E, por falar em pânico, a matéria no jornal Extra Classe me pareceu particularmente “ansiosa”: “Grupos evangélicos se mobilizam na eleição para conselhos tutelares... ofensiva evangélica preocupa especialistas”. O texto acusa os evangélicos de elegerem “doutrinadores de ideologias conservadoras”, em vez de cuidar das crianças, segundo Ana Paula Motta Costa, vice-diretora da Faculdade de Direito da UFRGS, entrevistada pelo portal. Os comentários da especialista são lapidares:

“Este contingente de pessoas ligadas a igrejas evangélicas está preocupado em reforçar um conservadorismo, um moralismo social em torno das temáticas da família, da criança, enfim, daquilo que significa a ponta de um pensamento conservador e de direita que a sociedade brasileira viu florescer no último governo, mas que sempre esteve aí.”

Uma honesta e cândida declaração sobre a qualidade de democracia que a nossa elite cultural pretende construir, na qual evangélicos conservadores não têm poder nem voz. Tudo iria muito bem, exceto por esse pequeno e inesperado obstáculo, de que o povo tenha se tornado evangélico, vejam só!

Preocupadíssima com as crianças, a reportagem segue mencionando as preocupações de Manuela D’Avila com o impacto ideológico nas eleições municipais, interrogando especialistas para reforçar o coro contra os “ataques à democracia”, “avanço das pautas mais conservadoras de extrema-direita”, “políticas retrógradas e excludentes com a justificativa de defesa da família”, que “é grave que isso venha se ampliar”, que os “democratas” precisam se mobilizar etc.

Pois bem: a elite tem seu botão próprio “botão de pânico”. É tedioso: “cuidado, os evangélicos fundamentalistas estão chegando! A democracia vai acabar!” É impossível, do outro lado do muro, não ouvir os cochichos.

Tal qual um escorpião, a esquerda não consegue abandonar sua agora longa tradição de envenenar os evangélicos contra ela

Mas vamos ao que interessa, o subtexto das expressões de ansiedade: a eleição para os conselhos tutelares confirma que a força política evangélica, independentemente do bolsonarismo, seguirá pressionando por pautas conservadoras, e isso provavelmente se refletirá nas próximas eleições municipais. Se os evangélicos se mantiverem crescendo e insistindo nesses compromissos conservadores, a direita poderá se manter no Legislativo e, em seguida, levar as eleições gerais de 2026.

Aqui está a irracionalidade da coisa toda: tal qual um escorpião, a esquerda não consegue abandonar sua agora longa tradição de envenenar os evangélicos contra ela. Nos ataques públicos de seus deputados “evangélicos” contra os “fundamentalistas”, na tentativa de forçar a pauta abortista sobre as massas, no seu pânico diante do crescimento evangélico nas eleições de conselhos tutelares, e no virulento ataque aos evangélicos por suas simpatias por Israel, ela seguiu sendo em 2023 o que vem sendo há anos.

Mas os políticos, como se sabe, têm “nariz” de cachorro, e cheiram o medo de longe. Se a esquerda não tomar uns calmantes e sentar para conversar, vai sair mordida.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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